Resenha | The Office (Temporadas 4 – 9)

Como disse no primeiro texto que escrevi sobre The Office, demorei pra gostar da série. A primeira temporada assisti na força do ódio, praticamente. Mas já na segunda, comecei a achar interessante. Dali por diante, a série cada vez mais ficava melhor. E agora que cheguei ao fim, estou praticamente órfão.

O mais curioso é observar que a essência da série está lá desde a primeira temporada, mas ela se desenvolve de uma forma espantosa. A narrativa e a dinâmica da série encontram seu ponto ao longo do tempo e chegam ao seu ápice, conquistando qualquer espectador, fazendo os mais exigentes darem o braço a torcer.

As atuações vão ficando intensas, os personagens ganham espaço e profundidade, as piadas ficam mais inteligentes e as críticas mais afiadas (sem deixar de dar espaço para piadas idiotas/bobas e pela pura galhofa as vezes, sem necessidade de criticar algo/alguém).

Aqui em casa gostamos de personagens com camadas, que não são apenas bons ou maus. Pessoas podem ser boas mas terem suas falhas, enquanto outras são ruins mas tem motivos para serem assim e podem ser boas quando menos se espera, e mais, podem melhorar e merecem reconhecimento por isso. E The Office está cheio desses personagens. Até mesmo aqueles que pensamos ser apenas ‘figurantes’.

É bem claro desde o início que Michael Scott (Steve Carell) é o protagonista da série e já no início da segunda temporada passa a ser claro que Jim Halpert (John Krasinski) e Pam Beesly (Jenna Fischer) também serão protagonistas. E acaba que eles terminam a série como os personagens mais importantes na verdade. É quase como se o documentário fictício que a série mostra fosse sobre as vidas desses dois, e não sobre o escritório e seu dia a dia.

Se por acaso você, assim como eu, começou a assistir a série com 7 anos de atraso ou sequer começou a assistir ainda, primeiramente faça um favor a si mesmo e comece agora, e segundamente, saiba que a partir daqui haverá possíveis spoilers, portanto, não venha reclamar.

A história do romance de Jim e Pam praticamente toma toda a série até a 5ª temporada e na 6ª, finalmente, eles se casam. O casamento é incrível, a cena deles fugindo para as Cataratas do Niágara é sensível e bonita. Jim e Pam formam um dos casais mais legais da ficção, a química entre os atores é assombrosa, podemos jurar que eles se amam daquele jeito mesmo na vida real.

O crescimento desses personagens na trama é diretamente proporcional ao talento que seus intérpretes demonstram para dar vida a eles. Tanto Jenna como John melhoram absurdamente suas interpretações conforme seus personagens vão ganhando espaço. Confesso não lembrar de um momento marcante na interpretação de John, é mais uma questão de consistência mesmo, porém, Jenna tem alguns grandes momentos.

O mais marcante é na última temporada (episódio 12), quando Pam tem uma séria discussão com Jim por telefone e então desaba em lágrimas de forma tão convincente que podemos sentir sua dor forte em nós mesmos. A cena por si só já nos toca de forma intensa, e ainda há uma quebra da quarta parede, de uma forma como nunca havia acontecido antes na série. É tudo tão orgânico e bem feito que terminamos nos perguntando se aquilo foi real mesmo e não estava no roteiro.

Mas mesmo com a trama de Jim e Pam ocupando grande espaço na série, a vida conturbada de Michael e como isso reflete no seu ‘trabalho’ não deixa de evoluir pouco a pouco. E o personagem é daqueles cheios de camadas que citei antes. Michael talvez seja a maior ‘cebola’ de todas as séries de comédia que me lembro de ter assistido. Nossa relação de amor e ódio com ele é constantemente testada e ratificada.

Ao mesmo tempo em que se mostra uma pessoa detestável por sua falta de noção, percebemos que ele certamente tem muitas razões para ser assim. E entendemos que tudo que ele quer são amigos, uma família e ser amado. Só que ele não tem a menor ideia de como fazer isso. E se num momento a gente tá com raiva de alguma antisse que ele fez, no outro estamos com pena e logo em seguida estamos querendo ser amigos dele.

Seus relacionamentos amorosos e a rapidez como ele se apaixona são ao mesmo tempo hilárias, preocupantes e quase sempre terminam em tristeza. Além disso, os roteiristas nos pregam pegadinhas fazendo-nos pensar ‘agora vai!’ e logo depois mandando ‘Há, te peguei!’. Sempre tem uma que achamos ser a ‘escolhida’, a mulher ideal pra ele e depois nos desiludimos junto com ele.

Durante um tempo foi Carol, mas ele estraga tudo. Ela parecia que seria uma boa para ele, mas talvez não fosse mesmo. Curioso é que a atriz que a interpreta é Nancy Carell, esposa de Steve Carell na vida real. E ele estraga tudo basicamente por conta de Jan (Melora Hardin), que é quem permeia sua vida por mais tempo nas primeiras temporadas. E parecia que ela, de uma forma muito doida, seria perfeita pra ele mesmo. Mas então nós conhecemos a verdadeira Jan, e como não podia deixar de ser, ela também tem suas camadas. Só que mesmo com essas camadas, a relação deles é extremamente tóxica e abusiva. No fim, ao contrário do que sentíamos no início, torcemos para que Michael deixa logo essa relação o quanto antes.

Quando Holly (Amy Ryan) aparece, sentimos que ela é tão perfeita, que não pode ser real. Já estamos calejados e achamos que deve ter algo errado ali. Mas depois de algumas idas e vindas, percebemos que não tem nada de errado. Ela é realmente perfeita, tanto, que pra ficar com ela, Michael finalmente deixa a empresa e vai ser feliz ao seu lado. Sua saída da série é bem surpreendente, afinal, ele era um dos protagonistas. Como disse, no início, ele parecia ser o único até. A propósito, a cena em que Michael pede Holly em casamento é uma das mais fofas ever.

Falando em relacionamentos tóxicos, pra quem não sabe o que é isso, basta acompanhar a saga de Ryan (B. J. Novak) e Kelly (Mindy Kaling). Mas nesse caso, em nenhum momento temos uma empatia por eles. Por mais que Kelly seja fútil e pareça querer entrar nessa roubada, vemos que há muito mais envolvido ali e que Ryan nunca foi flor que se cheire e nunca a tratou sequer como um ser humano. Ele só percebe que talvez sinta algo por ela quando não estão juntos e ela não faz tudo por ele.

Tanto Ryan quanto Kelly também são bons exemplos de personagens menores que acabam tendo bom escopo, boas histórias e representam bem essa ideia de terem camadas. Em alguns momentos até sentimos um pouco de pena de Ryan, e é muito legal observar que ele odiava Michael a princípio, mas diante de tanta admiração e quase devoção do chefe por ele, o eterno ‘temporário’ acaba desenvolvendo uma relação de ‘filho-rebelde-sem-causa’ e pai com Michael.

E quanto a Kelly, quando há um episódio em que ela precisa treinar seus colegas de trabalho para melhorar o relacionamento com os clientes, ela mostra que não está ali por nada, que ela sabe fazer o faz. E mais adiante na série, vemos que ela também tem sentimentos, só é meio pirada mesmo. O final dos dois é assustador, repugnante até, mas perfeitamente condizente com ambos, infelizmente.

E já que falei em ‘pirado’, como não falar de Dwight Schrute (Rainn Wilson)? Quando comecei a série, achava que ele seria um tipo de ‘vilão’. E de fato ele meio que tentava ser. Mas como já disse no primeiro texto, aprendemos que certamente ele tem alguma questão que o torna ‘especial’ em termos de interação social, talvez Asperger, não sei…

O fato é que ele é o personagem mais elaborado da série, o que tem mais a oferecer, o que provavelmente nos ensina mais. Tanto é, que nos últimos episódios ele é praticamente um narrador e definitivamente o personagem principal. Dá pra ver claramente sua evolução ao longo da série. Como personagem dentro da história e como ser humano mesmo. O fato de ele reconhecer em seu maior ‘rival’ um verdadeiro amigo o levando até a convidá-lo para ser seu padrinho de casamento deixa isso muito claro.

Dwight é responsável pelo episódio mais engraçado de toda a série (quando ele ‘bota fogo’ no escritório só pra que as pessoas levem a sério os procedimentos de emergência) e também por algumas das cenas mais emocionantes. Ele é bruto e tem sentimentos puros e gentis. Ele é sem noção e por vezes acaba sendo o mais sensato, justamente por ver as coisas como preto e branco apenas. Ele é a maior definição do que é um ser humano. Sentimos vergonha alheia dele, raiva, pena, ficamos felizes por ele, ficamos do seu lado e torcemos por ele. As vezes tudo num só episódio.

E sua recompensa chega. Como disse, sendo o maior protagonista dos episódios finais, ele rouba a cena e acaba a série como um dos mais bem sucedidos personagens, praticamente milionário, casado e feliz com a posição que sempre quis na vida particular e profissional.

Sobre aqueles personagens que disse acharmos que seriam ‘figurantes’, podemos destacar Darryl (Craig Robinson) que praticamente não tinha falas no início e cresce exponencialmente a longo das temporadas. Oscar (Oscar Nunez) é outro que praticamente não aparecia e acaba ganhando uma subtrama nas últimas temporadas que fazem seu personagem ganhar bastante importância, assim como Angela (Angela Martin).

Falando em personagens que cresceram e eu, particularmente, não dava nada, destaco Erin (Ellie Kemper). Quando ela entrou na série eu achava que ela seria uma personagem temporária, que logo sairia. Mas ela foi até o fim e com subtramas interessantes, tanto que a mais séria, o fato de ser órfã, foi resolvido de forma muito bonita no fim.

O único ponto que não gostei em toda a série, especialmente no final, também envolve Erin de certa forma, mas tem como foco Andy (Ed Helms). Ele começa como um completo bobão, evolui para um aspirante a vilão quando tenta derrubar Dwight, acaba virando amigo dele, passa a ser digno de pena quando é traído e abandonado às beiras do altar, depois passa por uma fase de quase depressão, acaba dando a volta por cima, vive uma fase bem sucedida, se apaixona de novo e no fim, parece ter sido jogado.

Na virada da 8ª para a 9ª temporada, parece que os roteiristas queriam transformar Andy em um vilãozinho. E conseguem até fazer a gente sentir raiva dele. Acabam com sua relação com Erin de uma forma bem estúpida, sendo que nos fizeram torcer para eles quando ficaram juntos (e pra mim, faziam um ótimo casal). Andy é praticamente o único personagem que não tem uma história bem contada no seu final. Até mesmo Creed (Creed Bratton) que foi preso no fim, teve um final digno e de acordo com o personagem (além de um bom ‘momento musical’ no final, ). Já Andy ficou com um ‘momento musical’ emocionante de consolação e um final bem ‘meh’.

Não é que eu ache que o final de Erin não foi bom, pelo contrário, foi ótimo. Ela é uma personagem adorável, doida de pedra, mas adorável, e merecia muito ser feliz com alguém que gostasse realmente dela como Pete/Plop (Jake Lacy) gostava, e esse por sua vez também é um personagem legal. E Andy realmente não fez por merecer especialmente nas duas últimas temporadas que ela ficasse com ele. O problema é justamente esse. Depois de um início de relacionamento tão bom e fofinho, e depois de Andy passar por maus bocados na vida, ele termina praticamente como um asshole e muda muito o personagem, jogando fora toda sua evolução.

Ele merecia muito mais pelo que fez e viveu durante a série. Fico com a sensação de que por alguma razão o ator tenha sido punido por alguém importante na produção. Ou, como ele mesmo fazia parte da produção nas duas últimas temporadas, talvez ele que tenha largado de mão e quis resolver de um ‘jeito fácil’ ou simples. Ou, quem sabe, simplesmente tenha errado a mão mesmo.

Já que falei de Creed, vale pontuar outros personagens menores que também tiveram seus bons momentos ao longo da série e ajudam (e muito) a segurar o ritmo. Um dos que mais arrancas risadas ao lado de Creed é Meredith (Kate Flannery), que é absolutamente insana e responsável por muitas gargalhadas. Kevin (Brian Baumgartner) também tem seus grandes momentos, alguns inclusive de emoção. Stanley (Leslie David Baker) e Toby (Paul Lieberstein) são outros que de vez em quando ganham espaço e brilham, cada um com seu estilo bem diferente do outro, mas que mostram que os atores são muito talentosos e convincentes em seus personagens.

Ao longo da série, alguns ‘personagens temporários’ importantes aparecem e ganham destaque. Tivemos Idris Elba como Charlie, um chefe que nos deu muita raiva e foi embora sem deixar saudade (méritos para o ator, não que o personagem fosse ruim). Depois outro chefe que chegou e saiu e ninguém se importa foi Deangelo (Will Ferrell), novamente porque seu intérprete soube conduzir muito bem a escalada de ódio que o personagem pediu. E por fim, tivemos Robert (James Spader), esse tendo começado de forma intrigante, passando a carismático e depois um tanto repulsivo. Mais um que merece méritos por sua atuação.

Mas se for pra falar de talento em personagens de curta participação, pra mim, quem vence é Kathy Bates como Jo Bennet. Suas aparições sempre deixavam sua marca e a forma como se impunha em cena deixava a todos, espectadores e personagens envolvidos, no limite entre medo e respeito. Se tivesse tido mais tempo continuaria encaixando muito bem na série.

Por fim, é preciso falar como a série nos faz sentir tantas emoções. Poucas vezes tantas se misturaram na mesma série. Tem aquelas séries que te fazem se afogar em lágirmas, tem outras que arrancam gargalhadas em todos os episódios do início ao series finale. E tem que fazem rir e chorar em um boa proporção. Mas alta intensidade que The Office impõe nas cenas de comédia é a mesma nas cenas de drama.

Quando comecei despretensiosamente a assistir, jamais pensei que após tantos momentos de pura vergonha alheia nas primeiras temporadas, teria chorado de cair lágrimas em tantos momentos, ter sentido o famoso ‘calorzinho no coração’ e ter amado personagens que de cara tinha detestado ao final da série. E ainda teria aprendido tanto sobre a vida, amizade e tantas coisas.

Uma série que me marcou muito nesse sentido foi How I met your mother. E olha, hoje, digo que The Office não deixa nada a desejar, e em muitos pontos a supera. Muito por conta dos talentosíssimos atores que a segunda tem. Mas, mais do que isso, a série se sustenta sem criar muita ‘barriga’. E se reinventa. Por mais que as duas últimas temporadas pareçam ter perdido um pouco a essência das outras, quando você chega na reta final, percebe que ela se reencontra de novo e se supera.

O final da série é bom como poucos finais são. Terminamos a série emocionados, felizes e satisfeitos (mesmo que você não ache que alguns personagens tenham tido o melhor final, como eu acho). E as frases ditas pelos personagens, algumas delas aqui em cima, resumem bem nossa sensação e aquilo que aprendemos com ela. Vou separar aqui a primeira lá em cima da Pam: “É como um longo livro que você nunca quer terminar. E está tudo bem, porque você nunca, de forma alguma, quer largar ele.

E agora que acabei estou sentindo aquele famoso vazio, achando que nenhuma outra vai conseguir me envolver da mesma forma. Que nada pode superar. Espero que esse ‘luto’ passe logo, mas sei que todos os momentos que vivi e senti em The Office valeram a pena. Recomendo a todos que passem por essa experiência também.

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