Crítica | My Hero Academia (Boku no Hero)

Já fazia muito tempo que eu não assistia um anime sem ser um episódio solto de algo que eu já tivesse visto antes. Tipo, começar a ver algo novo mesmo. Um dia minha filha falou que queria assistir Boku no Hero, alguém na internet tinha falado a respeito e ela se interessou. Fui pesquisar, pareceu interessante, fui ver com ela. Que bom que fiz isso!

Uma das principais razões para não começar um anime novo após tanto tempo é que eu não tenho mais paciência para os diálogos clichês, as cenas de lutas em câmera lenta e batalhas que se passam em meia hora na história, mas duram uns 4 episódios pra quem assiste. O último que eu tentei começar porque muitos amigos curtem e me garantiram que eu curtiria foi Naruto. Não rolou.

Mas Boku no Hero, ou My Hero Academia (como vou chamar aqui), realmente é diferente desses outros animes shounen (em linguagem não-otaku, desenho japonês de lutinha). A história tem profundidade e dá pra perceber isso já no primeiro episódio. As coisas não demoram pra acontecer, ele ensina, emociona e diverte em proporções iguais, sem ser tão clichê ou infantilóide.

Na história, temos como protagonista Izuku Midoriya, um adolescente que vive em um mundo onde 80% das pessoas tem algum tipo de super poder (aqui chamado de individualidade). Essas pessoas escolhem ser super-heróis, usando seus poderes para ajudar as pessoas, ou serem super vilões. Midoriya é o maior fã do super-herói número 1 em popularidade (e que também é considerado o mais poderoso), All Might.

Seu sonho é ser um super-herói tão bom quanto seu ídolo, porém, descobre que não terá super-poderes. Funciona mais ou menos como nos X-Men: com uma certa idade sua individualidade se manifesta, e caso isso não ocorra até uma outra determinada idade, significa que isso jamais acontecerá.

Aí já começa um pouco da parte dramática, e por mais que pareça raso, imagine como deve ser para uma criança ter seus sonhos despedaçados sabendo que nunca poderá alcançá-los? Como que uma mãe lida com essa frustração do único filho? Mas ele não desiste, e cresce estudando todos os famosos heróis, anotando tudo que sabe sobre suas habilidades. Quem sabe um dia, por milagre, possa ser um também?

Já temos um bom dilema: perseverança/acreditar nos seus sonhos x ter noção da realidade/saber que há momentos em que está tudo bem desistir. Isso sem falar na questão da meritocracia funcionar ou não.

Só é possível ser um super-herói tendo uma individualidade, se formando em uma escola especial e seguindo uma série de leis. Nesse mundo, como muita gente tem super-poderes e decide usá-los para o mal, ser super-herói é um profissão.

A vida desse protagonista muda quando, ao se ver em uma situação de alto risco envolvendo super-vilões que fizeram pessoas comuns de reféns, ele arrisca a vida para salvar seu amigo de infância (este sim, com individualidade). All Might, que também é o maior ídolo do amigo, salva todos e decide adotar o jovem Midoriya como seu sucessor. E aí tudo muda. Tudo isso acontece no primeiro episódio, sem pressa e bem desenvolvido.

Dá pra ver como o protagonista tem profundidade, seu ‘melhor amigo’ na verdade o odeia (aparentemente) e sempre o trata mal, fazendo bullying. O super-herói número 1 parece um bobalhão, mas também traz uma boa carga dramática pra trama. E há muito mais elementos que fazem de MHA uma ótima história.

O menino que que sofreu nas mãos do pai (um herói casca grossa) e se culpa pela doença da mãe, renegando os poderes herdados desse pai. A menina que quer ser uma heroína profissional pra dar uma vida mais digna para os pais. O rapaz super disciplinado que admira o irmão, um grande herói, e sonha estar à sua altura um dia. O jovem rebelde, aparentemente sem causa, mas que vem de uma família problemática. Tudo isso apenas no núcleo principal de aprendizes de herói.

Isso sem falar nos vilões, nada vazios ou simplesmente maus. Eles têm motivações ideológicas, contextos sociais e também, claro, a boa e velha vingança. Mas até essa parece melhor fundamentada do que o comum. É realmente muito interessante ver como esses vilões se comportam e o que os fazem sê-los em um mundo onde a maioria das pessoas, teoricamente, poderia se defender.

É bem verdade que Midoriya (ou Deku, seu nome de herói [que aliás é bem curioso, já que pode ter dois significados distintos em japonês, e isso é utilizado na história]) é muito chato às vezes. Chora pra tudo e por nada. Mas ao mesmo tempo é um dos melhores protagonistas já vistos em animações do gênero. Ele é muito inteligente e estrategista, gosta de aprender e é esforçado de um jeito crível. Não é overpowered (talvez até venha a ser um dia, mas acompanhamos sua evolução como ‘normal’). Ele dá suas palestrinhas motivacionais ocasionalmente, mas consegue nos fazer acreditar que existe esperança, é carismático e até convence que a meritocracia pode ser justa.

Seu antagonista, Katsuki Bakugou, quase sempre é um alívio cômico, mas talvez isso não tenha sido intencional desde o início. Ele é egraçado porque é extremamente irritado com tudo e todos, está sempre de mau humor e xingando. É muito poderoso e alimenta um ódio um tanto inexplicável por Midoriya (pelo menos até onde estou na 4ª temporada).

Me parece um pouco de falta de entendimento do que é ser uma pessoa boa, ele não é bem resolvido consigo mesmo e não sabe o que são sentimentos puros. Ele tem todas as características que o fariam se tornar um vilão, mas sonha ser um herói inspirado por All Might, o ‘símbolo da paz’. Em certo ponto, ele passa a ter uma relação mais próxima com seu ‘rival’, que lembra bastante a relação Vegeta/Goku.

Na verdade, poucos são os personagens que não são muito interessantes ou que não têm muito tempo para se desenvolverem. Se ainda não aconteceu, em algum momento vai. O único virtualmente desnecessário (sabemos que ele existiria na vida real, mas não precisava ser tão caricato) é Minoru Mineta.

Ele é um adolescente pervertido, basicamente. Em um ou outro episódio mostra alguma camada, mas pouco pra justificar sua presença, incansavelmente funcionando como fan service (em animes/mangás, fan service é aquele close ou ângulo malicioso focando nas curvas das meninas, aquele ventinho maroto na saia, etc). Uma caricatura não muito bem feita, bem datada na verdade. Caberia bem nos anos 90, mas hoje não dá mais.

A propósito, uma curiosidade que eu nunca havia notado em nenhuma outra animação do gênero, especialmente voltada para esse público, é o fato de que os personagens falam ‘MERDA!’, especialmente quando estão com raiva. Bakugou diz quase toda vez que está em cena, já que está sempre com raiva. Achei, no mínimo curioso e verossímil, afinal, eles são adolescentes e falar apenas ‘DROGA!’ ou ‘PORCARIA!’ soaria muito falso.

Como são adolescente em uma escola para heróis, há muitas referências, mas pra mim, a mais clara e óbvio é dos X-Men. Só que MHA consegue dar uma atenção a essa coisa de ‘aprender a ser um super-herói’ e toda a responsabilidade que os professores têm com esses alunos como pouquíssimas vezes os mutantes conseguiram nas HQs e nunca nas outras mídias. Acompanhamos o crescimento desses jovens como pessoas, heróis e cidadãos responsáveis no ecossistema onde vivem.

E nada demora muito pra acontecer. As tramas são elaboradas de forma enxuta e muito bem sedimentadas. Quando há emoção, ela pega fundo na alma. Há um momento em que a mãe de Midoriya desabafa sobre as dificuldades de ser uma mãe de um adolescente aspirante a super-herói, de ver seu filho arriscar a vida todos os dias. E o então professor, All Might, humildemente entende os sentimentos da mãe e se desculpa com ela por expor seu filho (e a ela também) a essas situações. É um episódio inteiro muito emocionante, especialmente para quem tem filhos. Não me recordo de já ter visto isso em uma obra audiovisual, especialmente voltada para o público que é.

Acredito que esse é um shounen que vai muito além desse sub-gênero, trazendo temáticas profundas e ensinamentos muito válidos para todos, não apenas seu público alvo. Mas sempre mesclando com momentos de puro entretenimento e, obviamente, muitas lutinhas. Quem consegue e gosta de ver nas entrelinhas, pode traçar paralelos sobre igualdade e respeito entre outros ideais mais óbvios.

Aqui em casa assistimos maratonando, vários episódios em sequência e com a família toda junta. Dá pra pai, mãe e filha se divertirem, se emocionarem e aprenderam juntos. Eu mesmo, no mínimo, estou aprendendo a dar mais chances pra coisas que eu achava não ser mais capaz de curtir. E mais uma vez, estou me surpreendendo por me permitir ser surpreendido.

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