Mr. Corman é uma série criada, estrelada e quase sempre escrita e dirigida por Joseph Gordon-Levitt. Produzida pela A24 e exclusiva da Apple TV+. Não tinha como ser ruim. E não é mesmo! Só faltou ter o recomenhecimento devido.
A história gira em torno de Josh Corman, um professor de pré-adolescentes na faixa dos 30 anos que mora em Los Angeles. Ele ainda sofre com o término de um relacionamento (que já faz um tempo) e com o fim de sua banda. Compartilha um apartamento com seu amigo Victor (Arturo Castro) já que não tem dinheiro para viver por conta própria.

A série trata de vários assuntos, desde sonhos perdidos e uma grande desilusão amorosa à angústia existencial e o constante perigo de afundar na depressão. Mas nem sempre tudo é assim tão pesado. Tudo ali é estranho e surpreendente, muito criativo e capaz de arrancar sorrisos na mesma intensidade que faz refletir.
Em geral, Josh vive uma vida um tanto chata, especialmente para alguém que desistiu dos sonhos ou acredita não ter sorte na vida. É uma vida no ‘modo automático’, passando seu tempo livre jogando video game com o colega de apartamento que é divorciado e pai de uma adolescente que parece o odiar.
Em dado momento da história, Josh decide tentar ir a um bar pra conhecer alguém e ver o que mais a vida pode oferecer. Tem um encontro que acaba sendo péssimo. Mais ainda: ele passa a ter ataques de ansiedade.

Parece que foi aí que a série me pegou de vez. Eu já tinha notado uns recursos narrativos interessantes, especialmente visualmente. Talvez nem todos notem tudo e vou deixar em aberto pra que eles causem os devidos impactos. (Só queria exaltar como a fotografia é perfeita!) Mas preciso falar sobre a forma como a ansiedade do personagem título passou a ser descrita e como isso acabou atcando a minha e isso foi incrível.
O jeito encontrado pela produção de mostrar como esses ataques acontecem foi tão real e intenso que quase te faz sentir o mesmo desconforto que ele. Esse é um dos grandes baratos da série, que definitivamente são ideias malucas do seu criador e protagonista e que só se fizeram possíveis pela confiança depositada nele pela A24 (famosa por dar vazão a esses doidões) e pela Apple TV+ que tem investido em produções fora da caixinha.

Joseph Gordon-Levitt não tem medo de ser ousado, inserindo cenas de realismo fantástico, números musicais (que lembram muito 500 Dias com Ela em sua aleatoriedade aparente) e até mesmo um episódio inteiramente dedicado ao seu colega de apartamento, Victor.

Esse episódio, aliás, se destaca como um dos pontos mais altos da série. A história de Victor é repleta de nuances e momentos emocionantes que são simplesmente cativantes. Eu adoraria ver mais a fundo a vida dele, sua filha adolescente e sua ex-mulher.
Outro ponto alto é quando conhecemos melhor a relação entre Josh e seus pais. Primeiro, vemos ele e sua mãe, que têm uma conexão profunda em alguns aspectos, mas estranhamente distante em outros. Mais adiante, vemos seu pai, totalmente diferente, com uma relação muito mais distante e com feridas muito mais doloridas. E que baita interpretação de todos os atores envolvidos nessa família quebrada!
Como se não bastasse toda a questão técnica e inventiva da série, aliadas às interpretações brilhantes, ela ainda passa a abordar na sua reta final a pandemia de COVID. O jeito que é abordado é abrupto e até desconfortável, parecendo que realmente pegou a produção de surpresa e eles tiveram que se virar. Muitos críticos e parte do público não gostou. Pra mim, foi perfeito. Pois foi assim mesmo que a pandemia nos pegou, desprevinidos e nos forçando a improvisar.

Foi uma experência muito interessante pra mim ver essa série agora, em 2023. Ela não apenas se passa no momento em que a pandemia chegou como foi produzida durante esse período, indo ao ar no meio de 2021. E caramba! É incrível como parece que já faz tanto tempo que passamos pelas mesmas neuras que aquele personagem, que tínhaos os mesmo medos e ansiedades, que precisamos nos adaptar morrendo de medo de tudo aquilo!
Além do fato de ser triste ver que mesmo agora, nem tanto tempo assim depois (nesse momento em que escrevo há um novo surto da doença aqui na minha cidade, obviamente com muito menos impacto), parece que simplesmente esquecemos de toda aquela loucura. É quase como se estivéssemos assistindo a uma obra de pura ficção e que aquilo tudo é exagerado e até irreal.

Mas voltando aos motivos pelos quais você deve assistir Mr. Corman, dá pra resumir como uma baita experiência audiovisual a qual poucas outras obras atuais podem te proporcionar. O desconforto imersivo e todas as sensações e reflexões que ela te propõe, não são encontradas com facilidade em qualquer catálogo de streaming.
O último episódio tem um clima bem diferente e ao mesmo tempo coerente com tudo que vemos ao longo dos outros 9 episódios. Mesmo sendo esteticamente lindo e com um tom quase sempre pessimista, ele acaba deixando um clima de esperança e, pra mim, encerra a série com até mesmo um quentinho no coração. Uma pena ela ter sido cancelada, mas acredito que dentro do que ela propõe, termina de forma digna e coerente, sem deixar grandes ganchos, só aquela coisa da vida real (e que ela mesmo propõe de ‘o que aconteceria se… ?’)

Eu sou acostumado com obras diferentonas e às vezes até consideradas difíceis ou ‘indigestas’ por muitos. Eu diria que essa série pode ser vista como um desses casos. Ela é tão impactante e tão visceral em alguns momentos, que vale até aqui o alerta de gatilhos. Se você sofre de ansiedade, tem tendências depressivas, ela pode bater forte em você.
Mesmo assim, recomendo muito Mr. Corman para quem deseja ampliar seu repertório e assistir algo que vai te fazer sentir emoções mistas, te tirando do seu eixo, do seu conforto. Vale a pena, especialmente porque são apenas 10 episódios de cerca de 30 minutos cada, que dão a ela ares de minissérie.
[…] diante de pura arte. Pra quem não sabe, esse é estúdio por trás de séries como Euphoria e Mr. Corman, e filmes como A Bruxa, Midsommar e Tudo em todo lugar ao mesmo […]
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