Quando soube do que se tratava É assim que acaba, filme baseado em um livro homônimo, eu achei a premissa interessante. Vi algumas críticas quando ele saiu no cinema, fez algum barulho entre os influencidadores que acompanho. Me interessei ainda mais. No entanto, agora que chegou ao streaming, até quase metade do filme, eu me senti enganado. Não era aquilo que esperava. Até que a história toma outro rumo e, aí sim, vale muito.

O filme começa com o que parece que vai ser um romance um tanto batido. A sequência inicial é até mais densa, promissora: a morte do pai de Lily (Blake Lively). Esse acontecimento coloca em evidência o abismo emocional entre ela e o pai, algo que vai reverberar ao longo da trama. Mas não demora para a vida de Lily dar uma guinada quando ela conhece Ryle (Justin Baldoni, que também dirige o longa), um neurocirurgião que parece saído direto de uma campanha fitness.
Aqui já tem algo que me incomodou. Essa cena onde o casal se conhece tinha tudo pra ser muito melhor, o contexto era muito bom, as histórias que levaram os personagens até aquele momento eram muito ricas (já sabíamos sobre Lily e mais adiante no filme descobriríamos sobre Ryle). Só que o texto é tão ruim, que torna tudo muito inverossímil. O diálogo dos dois é absurdo, ninguém conversa do jeito como o que eles conversaram, sobre os assuntos que falaram e, principalmente, nas circunstâncias em que se encontravam.
Só esses 10 minutos de cena já me fizeram perder o interesse no filme durante quase metade dele. Pois fiquei pensando ‘se é assim que começa, é assim que acaba?!’ BADUMTSS!
Mas, falando sério, se o tom do filme fosse ditado por esse interação incial, o filme descambaria para um romance pobre e batido, além de muito fora da realidade. E a verdade é que o filme segue assim por um bom tempo.
Lily consegue realizar o seu sonho, abre uma floricultura, e logo no primeiro dia, nos primeiros momentos quando ainda estava arrumando a loja que comprou, uma mulher aleatória entra na loja ainda fechada, intrigada com o que se tornaria o lugar. Essa aleatória é Allysa (Jenny Slate), que, apesar de ser um bom alívio cômico, dificilmente poderia ser mais clichê: ela acaba se tornando a melhor amiga de Lily e, veja só, é irmã de Ryle.

Ainda fica um pouquinho mais previsível: Lily teve um grande amor no passado, o qual ela cita logo na primeira conversa com Ryle (por motivos de sim) e ela acaba reencontrando esse cara, Atlas (interpretado por Brandon Sklenar no presente e por Alex Neustaedter nos flashbacks). E é claro que Ryle vai ficar com ciúmes dele. Pronto, temos um super combo de clichês.
Entretanto, conforme o filme avança, os personagens vão ganhando camadas. Os traumas de Lily são revelados nesses flashbacks que nos levam à sua adolescência, onde ela viveu esse romance com Atlas, naquela época, um garoto em situação de rua que foge de casa por causa do padrasto violento. Aos poucos, fica claro que Lily cresceu em um ambiente semelhante, com um pai abusivo que agredia sua mãe.
E é aí que vem a virada e o filme se torna aquilo que me chamou atenção desde que soube de sua existência: Ryle, o príncipe encantado perfeito, também tem um lado sombrio e abusivo. Esse é o ponto de ruptura do filme. O que parecia um romance fofo e previsível, de repente vira o jogo e coloca a protagonista em uma situação de violência doméstica.
As cenas de agressão são mostradas de forma relativamente sutil no começo, criando aquele incômodo crescente, que nos leva a acreditar que tudo foi por acidente. Até que, assim como Lily, o público também tem um momento de clareza e percebe o que realmente está acontecendo.
Uma vez que a narrativa do filme muda, ela nunca mais volta a ser a mesma. O filme fica, a meu ver, muito mais interessante e intenso.

No geral, por mais que a princípio pareça que o filme vai tratar a violência doméstica de forma romatizada, na verdade há bastante delicadeza. A seriedade do tema é abordada com cuidado, priorizando o impacto emocional sobre a brutalidade física. Em vez de focar diretamente nos atos de violência, a direção aposta em uma construção visual e narrativa mais sutil: a câmera captura olhares, gestos nervosos, enquanto as falas de Ryle soam cada vez mais dúbias.
E então, os hematomas que surgem depois dizem mais do que qualquer cena explícita poderia mostrar. É um retrato inteligente e sensível de um tema pesado, que respeita a complexidade da situação sem perder a força dramática.
O último terço do filme, com seu clímax e resolução é bem forte, poderoso. Quando parecia que ia se encaminhar para uma decisão errada da protagonista, ela mostra que aprendeu bem a lição e quebra o ciclo, dando início a uma nova história.
Por um momento também parece que não haverá um ‘final feliz mais clichê’, mas até há na última cena. E nesse caso, esse clichê em específico me agradou bastante, confesso que estava torcendo por ele.

Todos os atores envolvidos têm bastante química. Eles são muito convicentes naquilo se propõem a nos convencer. O Ryle é um cara odioso, mas dá pra entender o porquê de Lily se apaixonar por ele. Da mesma forma, eventualmente a gente entende que há uma razão para ele ser como é. Nada que justifique, só explica. Atlas é apenas um cara fofo, um ser humano que faz a gente renovar a fé na humanidade, especialmente nos homens. Allysa é uma ótima amiga e uma irmã que ama o irmão, mas não passa pano.
Até os atores que fazem Lily e Atlas quando novinhos também são ótimos e têm muita química. A quem possa sentir que o ator de Atlas não consegue imprimir bem tudo que precisa. Eu acho o contrário. A aparente falta de intensidade ou expressão, tem tudo a ver com a personalidade e história do personagem.
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Tanto Blake quanto Isabela Ferrer (a versão jovem da personagem e que é impressionantemente parecida com Blake) mandam muito bem como Lily. Inclusive, esse papel confirma pra mim que a Blake é uma atriz subestimada e poderia ter papeis mais relevantes. Ela tem se mostrado talentosa e até versátil.
A mensagem final de É assim que acaba é essencial. Tanto para mulheres como para homens, eu não consigo dizer a quem é mais importante. Se por um lado mulheres, especialmente aquelas que podem estar vivendo ou já viveu situações de violência doméstica, podem aprender com Lily sobre como elas podem ter suas visões distorcidas pelo que sentem e que é preciso quebrar ciclos e crenças, por outro, os homens precisam aprender de uma vez por todas sobre o impacto de seus comportamentos violentos. É um filme que pode educar.
Antes de começar o filme eu estava curioso. Depois de um tempo o assistindo eu passei para decepcionado, ou enganado. Até que fui fisgado e me emocionei bastante. Me fez refletir e me deu até quentinho no coração em alguns momentos.
Recomendo bastante o filme a todos. Faço apenas um pedido a quem não tem muita paciência para filmes clichês de romance: aguente pelo menos até metade do filme, quando ele passa a ser um drama mais sério. Também faço um alerta para quem já sofreu ou sofre violência doméstica: por mais que em sua maioria as cenas sejam muito cuidadosas, os gatilhos estão lá. E há uma cena ou outra mais intensa. Mas se possível, vejam o filme todo, sua mesagem é importante e precisa ser passada no todo. Há esperança e pessoas boas no mundo, há pelo que e por quê se apaixonar.