Estamos em 2024 e o stand-up comedy segue firme como forma de entretenimento. É um ramo onde a grande maioria dos que fazem sucesso são homens. Imagine como seria na década de 1950, uma mulher judia nos EUA, recém separada, que por acaso acaba seguindo essa carreira? É isso que The Marvelous Mrs. Masel propõe, de maneira genial e cativante.
Co-criada por Amy Sherman-Palladino (a mesma de Gilmore Girls) e Daniel Palladino (de Family Guy), The Marvelous Mrs. Maisel nos apresenta à inimitável Miriam “Midge” Maisel (Rachel Brosnahan), uma dona de casa em Manhattan de 1958 cujas principais preocupações são manter uma casa impecável, cuidar da sua figura e apoiar a carreira de comediante stand-up do marido, Joel Maisel (Michael Zegen).

Quando sua vida dá uma reviravolta inesperada, ela descobre que tem talentos ocultos. Talentos esses que seu então marido pensava que ele mesmo tinha enquanto Midge apoiava incondicionalmente. Mas no fundo, ele só sonhava ter e era ela quem possuía, como ela ainda viria a descobrir.
Assim, com a ajuda de sua nova e teimosa agente (ou melhor, manager), Susie (Alex Borstein), Midge enfrenta os cafés e clubes de comédia de Greenwich Village na esperança de alcançar uma carreira de sucesso com uma aparição no programa de Johnny Carson.
Todos os personagens são interessantes e em algum momento têm seu tempo para brilhar e nos fazer amá-los e odiá-los quase na mesma intensidade. O exemplo mais claro dessa dualidade é Joel, pois não tem como não detestá-lo como pessoa no início da série pelo que faz Midge passar. Mas logo passamos a pelo menos ter um pouco de compaixão por ele, depois realmente gostamos e quase torcemos para que as coisas se acertem de alguma forma entre os dois. No fim, no mínimo, ele tem sua redenção.

Eu ouso dizer que Joel é melhor como pai do que Midge é como mãe, mesmo que isso não seja lá muito mérito. É claro que não estou muito no lugar de fala aqui, já que certamente as mulheres se conectam muito mais com a série do que os homens por diversos motivos. Ainda assim, especialmente na reta final da série, vemos que Midge sacrificou muito da sua própria felicidade ao longo do caminho e especialmente causou dor a quem a amava para chegar onde chegou.
A grande estrela mesmo é Midge, brilhantemente interpretada por uma atriz que poderia facilmente passar por uma terceira Gilmore Girl, tanto pelo timing como pelo teor do que diz e faz. Em uma época em que as mulheres deveriam ser donas de casa recatadas, limitando seus interesses e paixões a preparar jantares perfeitos e criar filhos obedientes, Midge é uma verdadeira explosão de energia — mesmo que esteja fazendo o possível para se encaixar no molde do Upper East Side.
Midge sabe seu valor. Ela sabe que é engraçada, e sabe que, quando sobe ao palco e pega o microfone, as pessoas riem — e isso não é algo que acontece com todo mundo. Ela tem muito talento e é muito inspiradora em diversos aspectos. Em breve poderemos ver novamente a linda e talentosa atriz que deu vida à essa personagem interpretando outra que tem tudo para ser tão transgressora quanto esta: Rachel Brosnahan é a nova Lois Lane do UDC criado por James Gunn e confio nele para dar espaço para atriz mostrar que sabe interpretar mulheres interessantes.

A construção dos personagens é uma das coisas mais legais da série. É uma baita jornada ver o desenvolvimento de cada um deles ao longo das 5 temporadas. Os pais da protagonista são os mais flagrantes nesse sentido.
Eles são hilários, é verdade. E muito se deve ao talento dos atores que os dão vida. Talvez você conheça o pai de Midge como o ator que viveu Monk (Tony Shalhoub) por tantos anos. Ele tem um ótimo timing de comédia, mas segura de uma forma impressionante no drama. E seu personagem evolui muito ao longo do tempo, com muita resistência, é verdade. Mas Midge tam muito a ver com essa evolução de um homem de uma outra época mas que tem ideias progressistas e vive em constante dualidade.
Já a mãe, você talvez se lembre como Judith a ex-esposa de Alan em Two and a half men. Ela já demonstrava lá que tinha muito potencial mas tinha uma personagem que não lhe dava muita margem pra brilhar. Aqui, ela entrega muito. A mãe de Midge parece ter ainda mais resistência para a evolução do que o pai, mas se você pegar o que ela era e como estava no início da série, em especial sua relação com a filha, e como ela termina, verá que houve sim muito crescimento.
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Mas sem dúvida, a jornada de Midge é a mais intensa e insipiradora. A forma como ela ascende de uma simples dona de casa e mãe dos anos 50 a uma comediante, abrindo shows de músicos famosos, tendo uma queda e se tornando MC em uma boate burlesca e finalmente virando redatora de um talk show de sucesso (em meio a uma sala de roteiristas toda formada por homens), é tudo muito emocionante (e divertido) de acompanhar.
Não podemos esquecer de outros ótimos personagens cujos intérpretes fazem serem ainda mais interessantes: a já citada Susie (Alex Borstein ganhou um Emmy em 2020 por ela), os hilários sogros de Midge, a sempre brilhante Jane Lynch que interpreta Sophie Lennon (arquirrival de Midge), e ainda as participações especiais e marcantes de Zachary Levi como o Dr. Benjamin (absolutamente encantandor aqui) e do talentosíssimo Sterling K. Brown como Reggie.
Outro grande forte da série é que, como a personagem principal é uma comediante nata, em geral você ri bastante. E normalmente não se trata de piada barata, fácil. O texto costuma ser elaborado e conectado. O tipo de humor da Midge é baseado nas experiências dela e a gente, como espectador da vida dela, sabe que é verdade (ou pelo menos uma boa caricatura).

E é por isso que ela era tão disruptiva. Imagine uma mulher recém divorciada nos anos 50 falando abertamente da sua vida sexual, com detalhes palavrudos na frente de desconhecidos, em voz alta num bar à noite. E não se engane pelos peitinhos que aparecem logo no primeiro episódio. Esse não é o tom da série em geral, raramente a exposição sai do campo das palavras.
Pra quem já assistiu Gilmore Girls, sabe que a criadora da série tem um apreço pelos diálogos rápidos, secos e cheios de ironia. E de lá pra cá, parece que ela aprimorou essa técnica, e claro, encontrou atores que potencializam esse estilo. Estou falando de ‘piscou, perdeu’, bem no estilo Fleabag.
Mas nem só de piada vive a Mrs. Maisel. Há vários percalços, momentos tristes de arrancar lágrimas, muita reflexão e paralelos da sociedade de mentalidade fechada dos anos 50 com a nossa realidade hoje, 70 anos depois. Todo fim de temporada é, no mínimo, muito emocionante e costuma deixar bons ganchos. Sorte de quem vai ver agora e não precisa esperar meses a fio pela conclusão, especialmente entre as temporadas 3 e 4, que tiveram um gap de 3 anos devido à pandemia.
Quem já assistiu a série inteira pode alegar que não gostou muito da última temporada. Eu diria que na última temporada a série deixa de ser uma comédia com forte pegada no drama, para ser um drama com momentos cômicos. Ela destoa muito das outras em diversos aspectos, especialmente na narrativa. Durante toda a temporada ficamos indo e voltando em flashbacks até que em dado momento já não sabemos mais onde/quando estamos e fica bem confuso. Ao mesmo tempo, particularmente achei uma ótima ideia. Deixa tudo ainda mais interessante e é um final bem bonito, emocionante pra série.

Inclusive uma dica que dou pra quem vai começar a série é: preste bastante atenção a todos os aspectos da vida de Midge. Tudo e todos são lembrados em algum momento, especialmente na última temporada.
Se você está em busca de uma série que combina humor afiado, personagens inesquecíveis e uma ambientação nostálgica, The Marvelous Mrs. Maisel é a escolha perfeita. Você não vai se arrepender de acompanhar a jornada dessa mulher maravilhosa.
E se eu não te convenci a assistir a série, deixa que as Migas fazem isso muito bem:
[…] esse filme, desde seu casting. Me apaixonei pelo trabalho da atriz em The Marvelous Mrs. Maisel, como já disse aqui. E o fato de Lois ser nos quadrinhos uma personagem muito mais interessante do que já foi […]
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