Já nem sei exatamente quando começou. 2013, eu acho. Mas sei que foi em uma reunião de professores que dariam aula para níveis avançados. A ideia era pensar em formas de tornar o conteúdo do livro da turma de conversação mais atrativo.
Entre outras coisas, ficou decidido que na Unidade 5, se não me engano, quando se tratava do assunto ‘Caridade e filantropia’, faríamos algo real, que levasse os alunos a exercerem de fato o tema, e não apenas conversassem sobre isso em sala.
E assim os professores fariam com suas turmas um projeto que incentivasse a ‘caridade’. Todos eles fizeram. E ficou bem legal. Cada um com alguns detalhes diferentes, mas no fim, todos bem interessantes.
Nos períodos que se seguiram, alguns mudaram professores, algumas turmas não tiveram o mesmo interesse talvez. O fato é que o projeto acabou ficando quase esquecido. Mas eu curti muito e decidi dar continuidade. E elaborei um pouco mais com ajuda dos alunos, pois procurei os engajar assim como eu estava engajado.
Daí por diante, em todo semestre eu tinha uma turma desse nível e sempre tocava o projeto. Além de conversarmos a respeito de ajudar ao próximo, em conjunto, decidíamos qual causa gostaríamos de ajudar. Em seguida escolhíamos uma instituição dentro daquela causa, entrávamos e contato e estudávamos sobre como poderíamos ajudar.
Tudo isso, feito de forma conjunta. Normalmente os próprios alunos entravam em contato com a instituição. Desenvolviam todo material para divulgação do projeto e ainda eram responsáveis pela arrecadação.
Para quem não sabe, esse projeto acontecia em uma escola de Inglês, o CNA de Nova Iguaçu, onde trabalhei de 2011 a 2017. O ganho no uso do idioma estava no seguinte: os alunos iam de sala em sala divulgando o projeto e pedindo doações. Acontece que eles estavam no ultimo período, de conversação, portanto, tinham que adaptar seu discurso para que os alunos da turma onde entravam os entendessem.
Se o nível era iniciante, falar o inglês mais básico possível; se intermediário, usar estruturas e vocabulário que eles já haviam estudado e desafiá-los com novas, mas compreensíveis; se eram avançados, usar o melhor que podiam e promover uma espécie de discussão, fazê-los falar também.
Isso sem falar que estavam sendo modelos para todos, tipo, quando um aluno olhava para eles, deveria tê-los como ‘objetivo’. Algo como ‘nossa, um dia quero ter essa confiança e autonomia com meu inglês’, ou na pior das hipóteses, ‘credo, eu ainda estou longe desse nível e já falo inglês tão bem ou melhor que eles…’. Ou seja, de toda forma seriam modelos, bons ou ruins.

Bem, ao longo dos anos esse projeto ajudou instituições de crianças carentes, idosos e até animais. Ao fim do semestre, eu sempre ia com um grupo de alunos que se dispusesse a entregar as doações nas instituições. Normalmente eram poucos, no máximo uns 5 alunos.
O fato é que sempre, sempre mesmo, esses que iam, assim como eu, voltavam de lá novas pessoas. Seja porque tiveram contato com uma realidade que não conheciam e que lhes tocou de alguma forma, ou até revigorados por receber carinho de volta por seus gestos simples.
No meu último ano, em 2017, algo aconteceu. Eu tive um dos grupos mais engajados. Alguns daqueles alunos já haviam estudado comigo mais de uma vez. Posso dizer que já estavam se tornando amigos.
Tudo fluiu normal, o projeto deu certo. Mas essas meninas da turma estavam realmente dedicadas e além das doações da escola, foram em busca de mais em outros locais, como em suas comunidades, em outras escolas, igrejas… Elas queriam mesmo ajudar, o projeto do CNA (denominado lá nos seus primórdios de Charity BriNgs HAppiness) acabou sendo um impulso pra algo que estava dentro delas.
Como as acompanho nas redes sociais, vi que ocasionalmente elas continuaram a recolher doações para levar a instituições. Meio timidamente, de forma totalmente despretensiosa, mas continuavam. Isso foi tão legal de ver! Sem saber, eu as fiz descobrir algo legal, que gostavam e que elas estavam felizes fazendo.
Qual não foi minha surpresa quando, agora, Junho de 2020, quase três anos depois de terem participado do projeto no CNA, essas meninas me procuram no Instagram mostrando um perfil que criaram chamado Projeto Desapega por Amor, onde arrecadam doações para instituições e incentivam o desapego material, unindo uma tendência de sustentabilidade social e ajuda ao próximo.
A sensação foi inexplicável. Eu entrei em estado êxtase. Que alegria ver essas meninas (hoje mulheres incríveis) tocarem uma ideia tão bacana. Por si só, por vontade própria, e durante um momento de pandemia mundial, um dos capítulos mais emblemáticos da nossa história, em uma geração que está empenhada em propagar ódio.

Quando eu me decidi por ser professor, lá por volta de 2008, o que eu queria era ser como os professores (e especialmente algumas professoras do curso de inglês que fiz) que tive. Eu queria inspirar, fazer pessoas quererem aprender, gostarem de aprender, se divertirem fazendo isso. E terem curiosidade sempre, procurarem sempre aprender algo novo.
Felizmente, mesmo com todas as dificuldades da profissão, que felizmente pra mim não foram das piores, acredito que ao longo desses não muitos anos consegui atingir. Em muitos outros alunos que tive, vi brilhar seus olhos, motivei suas gargalhadas, e ouvi mais de uma vez eles dizerem que curtiam ir pro curso porque se divertiam. Só que nesses meninas, o que inspirei foi muito além.
Elas estão dando dignidade e esperança a incontáveis pessoas através de seus gestos. Isso sem falar no bem que isso faz ao coração delas próprias. Como eu disse, fazer o bem, se esforçar pra ajudar a quem precisa, em especial nos nossos dias, é algo que não há nada que seja mais valioso e reconfortante.
Eu sou muito orgulhoso por todos os alunos a quem inspirei de alguma forma, mas essas meninas terão sempre um lugar especial no meu coração. Eu posso viver mais cem anos, mas sempre me lembrarei disso com alegria como uma das coisas mais bacanas que consegui atingir em vida.
Sugiro que vocês busquem algo assim em suas vidas. Sejam a inspiração de alguém. Ajudem as pessoas descobrirem o melhor delas mesmas. Mesmo que essas pessoas não retribuam a você e ao mundo como essas minhas alunas estão fazendo, acompanhar esses passos de fora, de camarote, é algo inominável, inexplicável. Mas que nos faz sentir vivos e que a vida vale a pena, sem dúvida.
Conheçam o trabalho dessas meninas. Vou deixar aqui o perfil do Instagram e a página do Facebook para que vocês se informem, e se puderem, ajudem.

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