Séries que mostram o racismo nos EUA

Recentemente a questão do racismo tem estado em alta, infelizmente, e da pior forma possível. Um episódio absolutamente lamentável e revoltante aconteceu nos EUA e os protestos e manifestações contra o racismo tomaram as ruas e as redes sociais.

Essa e uma questão muito latente em todo mundo, mesmo depois de tantos anos. Em algumas regiões isso é mais intenso que em outras. E apesar de no fim das contas ser tudo a mesma coisa e igualmente inaceitável, a forma como ela se apresenta e as origens culturais e históricas são ligeiramente diferentes.

Há muitas produções audiovisuais que valem a pena serem assistidas sobre o tema. Muitos clássicos, aclamados, premiados. Não são sobre elas que falarei aqui. Vocês podem achar muitas críticas e resenhas por aí.

Aqui nesse post, minha ideia é falar sobre séries que mostram como funciona o racismo nos EUA, que como eu disse, tem pequenas nuances e características culturais e históricas diferentes daqui do Brasil.

Além do mais, falarei apenas de séries que vi e/ou que estou assistindo no momento. Portanto, se tem alguma outra série muito boa que trata do assunto e que não entrou nessa lista, pode falar pra mim nos comentários que verei assim que possível.

Cara Gente Branca

Essa foi uma série que gostei muito na época em que foi lançada. Devorei a primeira temporada e achei muito boa a forma como a história era contada e ressaltei sua importância em um texto que escrevi para o Capacitor.

Apesar de a primeira temporada ter até acabado bem, por alguma razão não consegui mais acompanhar. Agora, enquanto escrevo esse texto acabei ficando com vontade de voltar a assistir.

Como disse, a dinâmica da série é boa, o humor ácido e o tom da crítica social é forte mas bem feito e diluído em doses de romance e dilemas adolescentes/jovens adultos. Ela foi muito relevante em sua primeira temporada e causou muita polêmica em sua época de lançamento.

De toda forma, a proposta da série é válida e merece, no mínimo, sua atenção. Eu vou dar essa chance e voltar a acompanhar.

Luke Cage

Luke Cage me divide um pouco. As vezes acho muito boa, as vezes acho bem mediana, que poderia muito mais. Contudo, achei bem divertida no geral e mostra bastante de como é a vida no Harlem (se é real ou não, é outra história, mas é pelo menos crível).

A série procura replicar a atmosfera única e a cultura dessa região tipicamente negra e carente de Nova York, particularmente com a música, que tem grande ênfase em toda a produção. A série também comenta sobre raça, política e o movimento Black Lives Matter.

O drama da série é bem intenso. A profundidade de Luke é boa, e tem ótimas atuações (não do protagonista, que é meio limitado). E é muito legal ver outro ponto de vista do MCU, o Universo Cinematográfico Marvel. A parte pobre, ‘suja’, com a realidade de quem não tem voz e não aparece nos grandes filmes.

Uma pena que a segunda temporada tenha caído um pouco na qualidade geral e ficou até difícil de terminar, tanto que a história se arrastou. Espero ver mais do personagem agora que ele vai pra Disney e saiu da Netflix. Espero que seja aproveitado e que seja melhor utilizado, que consigam usar todo o potencial como ícone negro que é.

Raio Negro

Acho que dá pra dizer que Raio Negro é o Luke Cage que deu certo. Tudo que a série da Marvel poderia trabalhar e não o fez (ou pelo menos não conseguiu com a mesma eficiência).

Demorei muito tempo pra começar a assistir essa série, eram tantas séries que eu já estava acompanhando, que não queria começar uma nova. Mas aí vi a participação do personagem no mega crossover Crise nas Infinitas Terras e me interessei por ele. E que bom que comecei, a série é maravilhosa!

Já no primeiro episódio levamos um soco no estômago quando o personagem principal da série, Jefferson Pierce (Raio Negro) sofre uma abordagem policial abusiva, em frente às filhas, certamente pelo simples fato de ser negro, já que o suspeito que procuravam também o era.

O grande diferencial dessa série é que o personagem principal é um super-herói, que é adorado por sua comunidade, enquanto sua identidade secreta é o diretor da escola dessa comunidade, e é também muito querido e respeitado por todos, chegando a ser chamado de Jesus Negro.

Além de ser um pai de família que tenta lidar com suas filhas inteligentes e independentes, a mais nova uma adolescente enfrentando dilemas como primeira vez, drogas e tudo que essa fase já traz, além de estar numa comunidade mais complicada. A mais velha, uma professora ativista social e lésbica (ou bi? Não sei) que quer sempre ajudar a todos, mas sempre acaba indo longe demais por ser impulsiva.

A ideia é mostrar os dilemas do personagem tentando fazer a coisa certa em ambas as frentes, como super-herói mascarado e como diretor da escola, tentando levar os jovens para o caminho certo através da educação, mesmo que o meio onde vivem não lhe dê muitas provas de que esse caminho compensa.

Uma outra coisa bacana da série é como em diversas ocasiões frases importantes e que são pertinentes às situações apresentadas são citadas e creditadas aos seus autores históricos. Ou seja, ainda dá pra aprender sobre história (americana e mundial).

As tramas são excelentes, os dilemas reais, mesmo se tratando de uma série de super-heróis. Quem sabe entender as metáforas pode ver como essa parte ‘fantasia’ se aplica ao mundo real. Se você quer indicar uma série de heróis pra alguém e não sabe qual, indique essa. Ou seja você a pessoa a aceitar a indicação.

Raio Negro é sem dúvida, e com folga, a melhor série de super-heróis da CW, fica pau a pau em uma disputa pelo segundo lugar geral de séries desse gênero com Demolidor e fica próximo de Watchmen, que em minha opinião, é a melhor.

Atlanta

Eu diria que qualquer coisa com o Donald Glover merece sua atenção. Há quem diga que ele é a única parte boa do filme Han Solo (não sei porque não vi). Ainda mais que nesse caso, ele não apenas protagoniza como é o criador da série.

É difícil dizer do que se trata a série, apenas que é um drama com altas e boas doses de comédia. A história contada é a de dois primos que sonham em se destacar no cenário rap de Atlanta em um esforço para melhorar suas vidas e as vidas de suas famílias.

A série tem uma estética bem diferentona, não tem abertura, a logo da série aparece em lugares aleatórios indicando o início dos episódios, o timing tanto das piadas quanto das ‘pausas dramáticas’ é muito bom, o humor é ‘peculiar’… Enfim, não tem nada parecido por aí.

Ela é bem fácil de acompanhar, já que o episódios são mais curtinhos. É a chance de acompanhar e entender como funciona o racismo e o tratamento aos negros e pobres (e como estes se comportam ao ‘enriquecer’) em áreas não tão faladas mundo a fora (como o Harlem em Luke Cage). Onde há menos atenção, as coisa são ainda piores.

Watchmen

falei aqui sobre como a série Watchmen me surpreendeu e além de fazer jus e ficar lado a lado com sua obra original nas HQs, ainda abocanhou um lugar no meu Top 3 pessoal de séries.

Admito que não tava entendendo nada da série até mais ou menos o episódio 4. E estava irritado com isso, ora, logo eu, que curto coisas complexas, paradoxos, e obras artísticas que desafiam o entendimento não estava entendendo uma série?!

Mas então, lá pro quinto episódio (de um total de nove), tudo se encaixou e daí por diante tudo ficou incrível. Tanto, que o criador da série, Damon Lindelof, disse ao New York Times que “Sabemos que fizemos algo potencialmente perigoso e perturbador”.

Nessa nova roupagem (que funciona perfeitamente como uma continuação direta à HQ dos anos 80) os estereótipos sociais se invertem entre negros e brancos, policiais e cidadãos, homens e mulheres.

A protagonista aqui é Angela Abar (brilhantemente interpretada por Regina King), uma mulher negra para que precisa lidar com milícias de extrema-direita em seu dia a dia.

Watchmen leva o espectador a momentos traumáticos e definitivos na história dos EUA, e mostra o racismo sob a ótica de uma série de super-heróis de uma forma completamente diferente de Luke Cage e até mesmo de Raio Negro.

Aqui a supremacia branca é a grande vilã que em teoria estava no passado, mas continua embutido nas instituições e que ainda traz dor à história de muitas famílias. O sexto episódio, mostra de forma didática como as famílias negras de hoje foram (e continuam sendo) afetadas pelo racismo brutal de gerações passadas.

É incrível como um assunto histórico e tão presente nos dias atuais conseguiu se encaixar perfeitamente na continuidade de um HQ que falava sobre a Guerra Fria nos anos 80.

Lindelof falou sobre isso em seu Instragram: “Para mim, Watchmen é uma história que fala da América. É sobre ‘heróis’ autodeclarados que combatem um inimigo impalpável e quase impossível de derrotar. Nos anos 80 esse inimigo era o perigo onipresente de um Armageddon nuclear entre os EUA e a União Soviética. Em 2019, trata-se de um acerto de contas com a história camuflada de supremacia branca de nosso país.

O PRÓXIMO PARÁGRAFO CONTÉM SPOILERS

O trauma negro está no centro do programa, assim como o seu esquecimento. O espectador conhece o personagem Will Reeves, primeiro quando menino e depois como um homem idoso preso a uma cadeira de rodas nos dias atuais. Depois de fugir de Greenwood, Reeves acabou se tornando um policial e logo depois disso um super-herói vigilante. Com uma máscara e um laço no pescoço, as áreas ao redor dos olhos eram pintadas de branco para que as pessoas não percebessem que ele era um homem negro, Reeves era o Hooded Justice (Justiça Encapuzada), o primeiro herói mascarado da América, e incidentalmente, fundador dos Minutemen.

Esse sexto episódio é realmente impactante. Através de cenas fortes, por vezes até gráficas, vemos como funcionava a supremacia branca, o ódio e incompreensão em relação aos homossexuais e a violência e abusos policiais. E tudo isso perfeitamente conectado ao fascismo dos dias atuais.

Infelizmente, diferente das outras séries citadas aqui, para que você tenha uma perfeita compreensão de tudo que a série trata, você precisa conhecer a obra original na qual ela se baseia. Mas você pode assistir somente a série e conseguirá entender sua ideia geral, perdendo apenas detalhes que tornam a experiência completa. Mas se puder, assista a Watchmen. É uma experiência impactante e importante.

BÔNUS: Brooklyn Nine-Nine (Moo Moo S4E16)

Brooklyn 99 é uma série de comédia essencialmente. Sua primeira temporada é até bem ‘bobona’, mas é importante para a composição dos personagens, suas relações entre si e para que o público se relacione com eles.

Mas com o tempo, a série se torna até bem profunda, ainda que mantendo seu tom de comédia no geral. É muito legal a forma como ela mostra a ‘masculinidade saudável’ em diversos personagens, especialmente no protagonista Jake Peralta (Andy Samberg), como pode ser visto nesse ótimo vídeo do Canal EntrePlanos.

Mas um episódio em especial é perfeito ao mostrar de forma delicada e forte, ao mesmo tempo, a questão do racismo. É o episódio 16 da quarta temporada, intitulado “Moo Moo”.

Contextualizando, os dois oficiais de mais alta patente no departamento de polícia onde a história se passa são homens negros. E, embora o programa tenha discutido o quão difícil as coisas têm sido para o capitão Holt sendo um negro gay neste mundo policial, é somente neste episódio que vemos a perspectiva do sargento Terry (Tery Crews).

Durante uma abordagem policial, enquanto estava à paisana, o policial que o aborda diz a Terry que ele não “parecia pertencer” a sua vizinhança, afinal era um homem negro em um bairro de classe média alta. Ele também diz que Terry faria o mesmo em sua posição, mesmo que este não estivesse fazendo nada que pudesse ser interpretado como errado.

Para muita gente, a interpretação de Terry Crews é surpreendente nesse episódio, onde ele consegue dar o perfeito tom dramático de sua situação. Porém, para quem acompanha a série, sabe que o ator é muito mais do que o Latrel de As Branquelas ou o Julius, pai do Chris. De toda forma, tanto ele quanto seu companheiro de cena Andre Braugher (Holt) estão perfeitos e nos deixam com aquele nó de raiva na garganta.

Diferente das outras séries citadas aqui, onde a temática racismo permeia a maioria, se não todos episódios, em B99 basta que você assista a esse único episódio, de cerca de 20 minutos, para que você entenda como funciona o racismo nos EUA.

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