Há alguns sou ‘colecionador’ de HQs. As aspas se devem ao fato de que não sou daqueles que têm edições raras, autogrfadas, emolduradas e que precisa ter todas as versões da mesma história. Mas admito ter mais do que um leitor usual teria e compro mais do que consigo ler.
Contudo, nunca havia lido um mangá. Folheado, talvez. Pra ver como era e atestar que realmente não curtia. Nem mesmo dos que originaram os poucos animes que curto. Assim, foi com uma certa relutância que adquiri meus dois primeiros mangazinhos em uma promoção dessas ‘imperdíveis’ na Amazon, e somente após ler diversas recomendações e avaliações deixadas na plataforma.
Os eleitos foram os dois volumes de Solanin, da L&PM Editores. Peguei sem muita expectativa, apenas porque estava com um preço muito bom e caso realmente confirmasse que não é minha praia, passaria adiante sem muito prejuízo. E não é que as avaliações estavam realmente certas e me surpreendi muito positivamente?

Foi um pouco difícil, a princípio, me acostumar com a leitura. A editora manteve a forma oriental de leitura, onde você lê os quadros da direita pra esquerda (e não o contrário, como nos quadrinhos ocidentais). Ainda tem o fato de eu não ser muito fã de quadrinhos em preto e branco e do formato menor me incomodar um pouquinho. Só que a arte é tão linda que compensa a falta de cores (em dado momento a gente simplesmente esquece que elas não estão lá). Sobre o formato falarei mais um pouco a diante. Então depois de meia dúzia de páginas já estava tudo ok.
A sinopse dos mangás não diz praticamente nada sobre a história, até mesmo porque não há muito o que dizer: “Em ‘Solanin 1’, do quadrinista japonês Inio Asano, um jovem casal de namorados, Meiko e Taneda, decide dar uma virada em suas vidas e ir atrás de seus sonhos, de música e liberdade” e a continuação, “‘Solanin 2’, a segunda e última parte da história de Inio Asano, mostra que, frente ao abismo entre os sonhos e a vida como ela se apresenta, às vezes improvisar é a única saída possível“. A intenção é não dar spoilers e proporcionar a melhor experiência possível ao leitor? Talvez. Mas a história é tão simples, tão contidiana e ‘sobre nada’, que seria mesmo difícil fazer uma sinpose mais apropriada.
Em Solanin o que vale, mais até do que a história contada, é como você se identifica com ela. E isso é até preocupante, pois se você se identifica demais, terá vários gatilhos acionados e pode terminar a leitura profundamente depressivo. É sério. Porém, ainda que você se identifique muito, mas está bem consigo mesmo e com a vida ou pelo menos em fase avançada nesse processo de equilíbrio emocional e psicológico, ele pode servir como incentivo e ajudar na percepção de que tudo isso é comum e há boas saídas para todos, é possível seguir em frente.
Os protagonistas da história são dois jovens adultos que precisam lidar com as dificuldades comuns a pessoas nessa idade que vivem em uma cidade grande como Tóquio (mas poderia ser em São Paulo, Rio de Janeiro, Nova York, Londres…) e precisam trabalhar, encarando a realidade dura e difícil do cotidiano ao mesmo tempo que vêem seus sonhos sendo abdicados e são empurrados para o abismo da depressão.
Meiko é uma jovem mulher que é responsável e tem um emprego chato mas, até certo ponto, estável e que paga o suificiente para que ela consiga sobreviver e guardar um pouquinho para imprevistos. Só aí já dá aquela dorzinha no coração do millennial brasileiro que sonha conseguir ‘guardar um pouquinho pra imprevistos’ e mal consegue sobreviver com o que ganha em seu emprego chato e não tão estável assim, mas é o que tem pra hoje.
Ela mora com seu namorado, Taneda. Inclusive, esconde esse fato de seus pais acreditando que eles não aprovariam. Por mais que pareça antiquado, ainda é a realidade de muita gente nessa época da vida. Taneda trabalha como freelancer e, apesar de trabalhar muito, ganha tão pouco que não conseguiria pagar o aluguel e demais contas caso precisasse morar sozinho em Tóquio (até por isso divide o apartamento com a namorada). Ele é mais sonhador que Meiko e um tanto mais apático, quase inexpressivo, e muito se deve ao fato de que precisa amadurecer na marra e não consegue, ficando nesse limbo do meio termo. Vive para trabalhar, e está sempre cansado. É muito interessante observar a linguagem corporal de Taneda e entender como essa aparente apatia e falta de habilidade pra se comunicar diz muito sobre seu psicológico.

Ao longo do mangá vamos conhecendo muito bem os protagonistas e os amigos que compõem seu círculo. Todos parecidos, de certa forma, mas cada um com suas particularidades. Todos eles são arquétipos que, certamente, você que também está na faixa dos 25 aos 40 anos também conhece alguém próximo (ou é essa pessoa).
A trama flui muito bem e por volta da metade do primeiro volume já estamos super envolvidos nos dramas e situações cômicas/absurdas/triviais-para-jovens dos personagens. Eles são todos tão humanos e tão reais, que em um capítulo amamos e no outro odiamos ou pelo menos sentimos um pouquinho de raiva. Depois voltamos a amar. Rimos e choramos com eles na mesma proporção.
Na reta final do primeiro volume, um caminho é tomado que nos faz pensar ‘Ah, não autor! Para! Pra que isso? Qual a necessidade?!‘ Então, ficamos aliviados por um instante ao perceber que fomos tapeados, até que logo em seguida somos atingidos em cheio de novo mas de forma inesperada.
O segundo volume tem uma dinâmica diferente mas que ao mesmo tempo está de acordo com a ideia, encaixa com a história a ser contada. Pelo menos pra mim, a intensidade das emoções despertadas diminui, mas não é um problema. É que o primeiro volume é muito intenso. A melhor parte mesmo do segundo volume é o final, onde ele atinge o clímax da história e traz um epílogo suave, sensível e que mostra que, na verdade, essa é uma história sobre esperança, sonhos e sobre mostrar que mesmo a vida sendo difícil, é possível encontrar beleza no cotidiano e até mesmo nessas dificuldades naturais. Devemos aproveitar as pequenas felicidades e entender que a tristeza faz parte, mas passa.
Se há alguma crítica negativa a esses dois mangás ela está muito mais relacionada à edição do que à história. A intenção da editora foi muito boa ao trazer uma versão de bolso dessa história, tornando-a muito mais acessível em termos de valores. Porém, isso acabou desvalorizando a arte (que é excelente e mistura em alguns momentos fotos com desenho), e tornando difícil de ler algumas partes por conta dos balões pequenos e apertados no quadrinho ou por estarem muito próximos do miolo, forçando o leitor a dobrar o mangá. Mesmo assim, nada disso estraga realmente a experiência.
Solanin é uma história muito sensível, com uma narrativa muito gostosa e bem poética em certos momentos, que deveria ser lida por todos que se encontram na transição da adolescência pra vida adulta ou que passaram por ela há pouco tempo. Ou por qualquer um que tenha empatia e sensibilidade. No entanto, é preciso estar ciente que se você tem tendências depressivas ou alguns de tipos de ansiedade patológica, pode se sentir um tanto mal por boa parte da história. Ainda assim, o final é gratificante, te faz refletir e dá um quentinho no coração, mesmo não sendo exatamente feliz.

Se você é como eu, que não costuma ler mangás mas está aberto a novas experiências de leitura, ou mesmo se já é otaku de carteirinha (ainda que só leia shonen ou algo mais puxado pro terror), não importa: recomendo fortemente Solanin para todos.
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