Há bem pouco, fiz um texto recomendando séries que poderiam ajudar a entender o racismo nos EUA. Uma dessas, foi Raio Negro. E hoje, vou falar um pouco mais sobre o porquê. Se você já leu o que disse lá, nem tudo que falei está aqui, assim como nem tudo que falo aqui, está lá. São leituras que se complementam.
Já no primeiro episódio, até mesmo nas primeiras cenas, a série mostra a que veio e porque merece sua atenção. Primeiro, o protagonista Jefferson Pierce (interpretado brilhantemente por Cress Williams) está com sua filha mais nova, Jennifer (China Anne McClain), aguardando em uma departamento de polícia enquanto sua filha mais velha, Anissa (Nafessa Williams), está para ser liberada após ter sido detida por ter participado de um protesto.
Logo em seguida, ainda no caminho de casa, o carro em que eles estão é abordado pela polícia. Chove forte. Eles não estavam infringindo nenhuma lei de trânsito. Ainda assim, o policial os aborda de forma ‘exagerada’, a princípio, escalando rapidamente para violenta. Tanto Jefferson, fora do carro, quanto suas filhas ainda dentro do veículo são ameaçados.
Sem muita explicação, Jefferson é levado até a viatura para que uma mulher possa identificá-lo como o ladrão que havia roubado sua loja. Não era ele. Jefferson questiona o porquê daquilo tudo, já que ele havia se identificado, não reagiu à abordagem, não os desacatou, o qualquer outra coisa que pudesse, talvez, justificar aquela ação. Mas nem precisava. Ele, e suas família, são negros.

É assim, na primeira sequência da série, que você já leva esse soco no estômago. E esse tom, permeia por praticamente todos os episódios das três temporadas disponíveis na Netflix.
Infelizmente, a série é muito pouco comentada, e deve ter poucos fãs pelo Brasil. Me pergunto até se tem muitos, no geral, pelo mundo. Exceto, provavelmente, pelo público que mais se identifica com os personagens. Aqueles que se sentem representados.
Até mesmo eu, que curto séries de super-heróis (e qualquer outra coisa que os envolva), demorei pra me convencer a assisti-la. Pensava ser apenas ‘mais uma’, e talvez alguma forçação de barra. Se fosse boa, já teria visto várias recomendações por aí.
E mais: Raio Negro é um personagem, no máximo, secundário da DC. Eu que leio quadrinhos, o vi poucas vezes nelas. Não sabia nada sobre ele. Pra que uma série solo de um personagem tão pequeno? O que há pra contar sobre ele? Além do mais, há pelo menos meia dúzia de outras séries da DC, muitas delas conversando entre si, e essa nunca havia sido sequer citada em nenhuma delas.
Até que eu resolvi assistir ao mega crossover Crise nas Infinitas Terras, que uniu não apenas os personagens do chamado Arrowverse (Arrow, The Flash, Supergirl e Legends of Tomorrow), mas também praticamente todos os outros de séries que são baseadas em personagens DC, como Lucifer e próprio Raio Negro. E sua participação foi muito importante e marcante. Eu achei o personagem interessante e decidi que assistiria sua série. Que bom que o fiz.
Marcela e eu devoramos a série. Assistimos, pelo menos dois episódios por dia, todos os dias. Pode parecer pouco pra quem faz maratonas, mas nós não temos esse hábito. E houve dias que estávamos tão envolvidos que assistíamos logo uns 4. E isso é mesmo muito pra gente.
A série trabalha de forma muito delicada mas ao mesmo tempo intensa, não apenas o racismo, mas diversas outras questões sociais, como drogas e diversidade afetiva. Sem ser nada forçado, acredite. E é muito eficiente em despertar empatia em que assiste.
Além disso, todos os personagens tem muita profundidade e camadas. O vilão principal, que tem todo um crescimento, é muito carismático. Arrisco dizer que é o melhor vilão, em termos de carisma e de construção, de todo Arrowverse (sim, após o crossover, ele passa a fazer parte desse universo, ou pelo menos fica implícito que sim). Até porque, como ele permeia por todas as temporadas, diferente o usual que é apenas em uma, ele tem mais tempo pra mostrar a que veio e se desenvolver.
Outra coisa que te prende na série, são as atuações. Como já disse, o protagonista manda muito bem. Mas todos os atores principais são muito bons. As duas filhas mandam muito bem em seus dramas e na mais velha, conseguimos ver claramente uma evolução nas cenas de ação.

E ainda tem a esposa dele, Lynn (Christine Adams) e Khalil (Jordan Calloway), que crescem muito em importância e atuação durante as temporadas bem como Lala (William Catlett), outro que se mostra à altura de seus colegas de elenco.
Toda a parte técnica, como fotografia, efeitos visuais e sonoros é muito bem feita (ok, de vez em quando vemos alguns efeitos meio zoadas, bem ao estilo CW, mas nada que comprometa e na maior parte do tempo é tudo, no mínimo, satisfatório). Mas o melhor mesmo é a trilha sonora.
Confesso que em diversos momentos me peguei rindo das músicas ‘aleatórias’ que tocam durante as cenas ainda mais ‘aleatórias’, especialmente as de luta. As músicas são ótimas, e mesmo quem não é fã ou conhecedor da black music dos EUA vai curtir porque encaixa muito bem com as tramas e tanto dá o tom certo no momento certo, quanto pode quebrar a tensão em outros momentos cruciais.
Por tudo isso, Raio Negro é uma série que mais gente deveria falar a respeito e dar valor. É uma série altamente subestimada e que não decepciona em nenhum momento. Muito pelo contrário, apenas surpreende positivamente. Pode ir com fé, duvido que vai se arrepender. E no mínimo, vai lhe garantir entretenimento bom e agregador.