Dizem que há algumas obras que todo leitor de quadrinhos tem a obrigação de ler. Watchmen, V de Vingança, Preacher, Sandman… Essas são as mais citadas, isso pra ficar apenas no famoso selo Vertigo, da DC.
Me considero um colecionador de HQs há mais ou menos uns 5 anos. E até o início desse ano, não tinha lido nenhuma delas. Comecei por Watchmen, depois V de Vingança, pois já tinha ambos na coleção, aguardando na pilha de leitura. Realmente, excelentes. Sobre o primeiro já falei aqui. O segundo ainda estou devendo. Preacher comecei a comprar agora, em promoções da Amazon, mas peguei primeiro os número 4, 5 e 6 (promoção, né?) Não sei quando vou ler.
Sandman, eu tinha o volume 1 das edições definitivas da Panini. Aguardava uma oportunidade pra ler. Vendi lacrada, pois estava precisando de dinheiro e esse não era um item essencial na minha coleção que eu não conseguiria repor futuramente.
Aí veio uma promoção e comprei o volume 3 da nova coleção, especial de 30 anos. Formato menor, capa cartão. Barato. Li rapidinho. Achei boa, mas nada incrível, memorável como as outras Vertigo que já havia lido nesse ano. Vendi também, qualquer coisa compro futuramente, não é difícil achar.
Aí lembrei que recentemente tinha adquirido a versão definitiva de Morte, uma espécie de spin-off de Sandman. A personagem inclusive aparece no tal volume 3 que eu tinha. Achei sua participação na história muito boa e resolvi ler logo. Na pior das hipóteses, eu ia achar fraco e venderia logo, o encadernado vale bem e comprei numa barganha. E não é que é bem bom?
São várias histórias, funcionam quase que como uma antologia. Só não o é de fato porque duas histórias tem conexão entre si, embora não seja essencial ler uma pra entender a outra (mas pra quem tem essa edição, estão bem juntinhas e dá pra pegar a referência fácil).
Pra quem não sabe, a personagem principal é a própria Morte. Só que a grande sacada de Neil Gaiman e dos artistas que deram forma a ela, foi fazer uma versão totalmente diferente da concepção que temos de tal entidade.

Aqui, além de jovem e bela, a Morte é super bem humorada, conquista a todos com sua simpatia e alto astral. Ela também é uma excelente ouvinte e dá bons conselhos através de metáforas filosóficas e baseada em seu vasto conhecimento.
Na primeira história do encadernado, ela encontra seu irmão Sandman (ou Sonho, na verdade seu nome nunca é mencionado na história, mas sabemos ‘o que ele faz’). Ele está um tanto deprimido. Após um breve papo na tentativa de entender/admitir o que está acontecendo, ambos saem para um passeio.
Nele, a Morte tenta mostrar para seu irmão como seus trabalhos são fundamentais para o equilíbrio da existência e que, apesar de seus momentos ruins, há muito o que se aproveitar sobre suas missões.

Em outra história, acompanhamos a jovem no início dos anos 90 quando ela tira um dia (a cada século) para viver normalmente, como se fosse uma mortal. Ela acompanha um rapaz que estava considerando seriamente se suicidar por puro tédio ou por não saber (ou não encontrar uma forma de) aproveitar a vida.
Levando o rapaz para uma noite cheia de aventuras loucas e perigosas, ela acaba mostrando a ele como a vida pode ser interessante, sem precisar dizer isso a ele. Ao mesmo tempo, ela consegue aproveitar seu dia como mortal sentindo todos os prazeres e dores de sê-la.

Nessa história, é muito legal ficar pegando os easter-eggs e referências. A mais clara, na minha opinião, é a do próprio rapaz que é uma representação fiel do que era o movimento grunge que teve sua ascensão naquela época. Eu vi claramente nele o próprio Kurt Cobain e outros representantes do movimento como Layne Staley (vocalista do Alice in Chains), Scott Weiland (Stone Temple Pilots/Velvet Revolver) e Chris Cornell (Soundgarden/Audioslave). Todos, curiosamente/profeticamente, se suicidaram e/ou morreram de overdose.
Na história seguinte, temos a referência a essa história. A cantora que se apresenta no show que a Morte leva o rapaz, na ocasião namorada de uma amiga da Morte, tem sua história contada.
Ela é uma estrela do rock e tem sua vida pessoal e amorosa meio que negligenciada, enquanto sua agora esposa, precisa ser apresentada como uma secretária, já que uma estrela de rock dessa época vendia mais sendo uma sex symbol para os homens do que uma lésbica.
Essa é uma ótima história. Há reviravoltas e, de certa forma, a narrativa segue um caminho não muito linear. Além disso, apesar de passar a maior parte do tempo com uma pegada ‘pé no chão’, quando o sobrenatural e o fantástico entram em cena, a história muda de tom mas continua muito boa. Não dá pra contar muito sem dar spoilers, mas dá pra dizer que é bem emocionante.
Há ainda mais dois contos curtos, ambos com arte e narrativa bem diferente dos anteriores: o primeiro mais contemplativo e filosófico chamado ‘Um conto de inverno‘ e outro um tanto metafórico, mas ao mesmo tempo objetivo, chamado ‘A Roda‘. Os contos se encerram com ‘Morte e Veneza‘, não tão simples de entender, e também com uma narrativa diferenciada. Mas igualmente, muito bom.
Por fim, há uma história um tanto mais curta no final, que não é bem uma ‘história’ e foi lançada também no início dos anos 90 para conscientizar sobre o uso da camisinha e sobre a AIDS, em alta na época e que começava a ser tratada de forma séria e direta com os jovens.
É uma história bem simples, que serve mais pra informar mesmo, mas ainda assim é divertida e conta com não só com todo o carisma da Morte, como também com uma participação especial de Constantine (personagem que permeia o mesmo universo fantástico de Sandman e Monstro do Pântano, também do selo Vertigo).

O mais legal aqui, além do ótimo entrosamento entre Constantine e Morte, e claro, a linguagem direta sem ser ofensiva ou vulgar e ao mesmo tempo educativa, é a ironia (ou não) da Morte falando sobre a vida, sobre AIDS e sobre fazer sexo. A metáfora ‘A vida é uma doença: sexualmente transmissível e invariavelmente fatal‘ é genial.
A edição conta com muitos extras, cheio de sketches, comentários e até um roteiro original de uma das histórias. O acabamento de luxo valoriza muito o material.
No fim, valeu muito a leitura. Eu gostei muito mais do que o volume de Sandman que li, e me conquistou de tal forma que agora quero ler (e quem sabe colecionar) tudo que envolver esse universo. Talvez isso soe irônico, e certamente essa é a intenção do autor, mas é inevitável não se apaixonar pela Morte. Ela é cativante, carismática, é uma ótima amiga e tem muito a nos ensinar.
Lembrando que vem aí uma série sobre o universo de Sandman na Netflix, na qual o próprio Neil Gaiman está envolvido, então é bem provável que seja ão bom quanto o material original.
Leve a Morte pra casa
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