Crítica | Pinguim

Batman, filme de 2022 com Robert Pattinson no papel principal, foi um ótimo filme. Havia grandes expectativas para ele e, pra mim, todas foram pelo menos atendidas, quando não superadas. Quando foi anunciado que uma minissérie spin-off sobre o Pinguim seria lançada, eu fiquei um pouco com o pé atrás, pois agora seria preciso manter o nível de entrega do filme. E não é que as expectativas também foram (muito) superadas?! A série é espetacular!

Não se trata de só mais um passeio sombrio por Gotham; é uma aula de como fazer uma série sobre criminosos com aquele toque de realidade que chega a ser desconcertante. Colin Farrell volta como Oz, deixando de lado o nome original Oswald Cobblepot e assumindo um tom mais mafioso, mais Sopranos do que Batman.

A série, ambientada logo após o caos instaurado pelo Charada em Batman, troca os supervilões por um submundo visceral, onde o mal é mais humano e as alianças se desmancham facilmente.

Sem Batman para salvar o dia, o foco recai sobre a luta de poder entre os grandes figurões do crime organizado, principalmente os Falcone e os Maroni. Mas quem rouba a cena é mesmo Oz, que emerge como um estrategista implacável, alternando entre brutalidade e momentos quase cômicos de autoconsciência.

Com a morte de Carmine Falcone no filme, Gotham fica sem um rei no trono do crime e Oz sente o cheiro da oportunidade. Até aqui, ele era um capanga de confiança, responsável por administrar a boate Iceberg Lounge e uma fatia do lucrativo mercado de drogas. Mas o respeito, aquele real que vem com poder absoluto, ainda está fora do seu alcance — e é isso que o consome.

Sua ascensão na escada social do crime começa de forma brutal: logo no início da série ele se encontra com Alberto Falcone (Michael Zegen), o herdeiro relapso do império. A tensão entre os dois é tão palpável que a morte de Alberto quase parece uma inevitável conclusão do conflito.

Desde essa cena inicial, Pinguim já mostra que não está aqui para brincar. A série entrega um nível de profundidade e intensidade que dispensa a possibilidade de um spin-off caça-níquel, surpreendendo até os fãs mais exigentes. Ah, e é adulta, tá? De um jeito que a classificação etária do filme não permitiu. Nesse ponto, ela se aproxima mais de Coringa de 2018 do que Batman de 2022.

E então entra em cena a marvilhosa-perfeita-talentosíssima Cristin Milioti como Sofia Falcone, a irmã badass de Alberto, que acabou de sair de uma longa estadia no Asilo Arkham. Sofia é uma força da natureza, claramente mais apta que o falecido irmão para assumir o controle da família. Ela e Oz têm um passado curioso — ele era seu motorista, e ambos compartilham o desprezo por serem subestimados.

Esse vínculo inicial logo começa a desmoronar conforme as suspeitas de Sofia sobre a morte de Alberto aumentam. A tensão entre os dois é eletrizante, criando uma dinâmica onde cada interação é uma dança mortal em que ninguém está totalmente seguro.

Entre os aliados improváveis que Oz recruta para sua cruzada criminosa, Victor (Rhenzy Feliz) é o mais relevante e interessante. O garoto, que perdeu tudo na enchente que devastou Gotham nos eventos do filme, tenta sobreviver como pode até que o Pinguim o acolhe como motorista e assistente.

O relacionamento entre os dois é cheio de momentos de genuína ternura, mostrando um lado inesperado de Oz — aquele que poderia ter florescido em outra vida, sob outras circunstâncias. É um lembrete sutil de que até mesmo os vilões têm camadas e histórias que os moldam.

Para tornar tudo ainda mais complexo, a série traz a mãe de Oz, Francis (Deirdre O’Connell), que adiciona um toque de drama familiar à mistura. Francis é mentalmente instável e aos poucos sua presença se torna fundamental para entender o quebra-cabeça que é a psique de Oz. A série brinca com a eterna questão de natureza versus criação: até que ponto o ambiente moldou o Pinguim? E o quanto ele já estava destinado a ser assim?

Uma das principais características da série, que faz ela se destacar, é a sua habilidade de manter a trama ágil e afiada. Cada episódio te deixa mais na expectativa do que vai acontecer, com Oz sempre a um passo da glória ou a um deslize do desastre. E essa é uma outra grande referência que eu notei: me lembrou muito Breaking Bad nesse sentido de como o roteiro se desenvolve.

Os plot twists não são apenas estratégicos; eles são emocionais, e Collin Farrell entrega um desempenho que transita perfeitamente entre o gângster frio e o homem quebrado por dentro. Mesmo sob camadas de próteses e maquiagem, ele consegue transmitir o desespero de alguém constantemente subestimado e faminto por amor e aceitação. Pra mim, ele é forte candidato durante as próximas premiações.

Os momentos de vulnerabilidade aparecem em suas interações com Sofia, Victor e sua namorada, oferecendo vislumbres do homem que ele poderia ter sido. E são justamente esses lapsos que tornam cada decisão brutal ainda mais trágica. A série não se limita a explorar o crime organizado, mas também entrega um estudo de personagem poderoso.

E mesmo com Collin entregando a melhor atuação de sua carreira, quem rouba a cena mesmo é Cristin Milioti. Eu posso levantar aqui a plaquinha de ‘EU JÁ SABIA!’. Desde que ela apareceu em How I met your Mother já estava claro seu potencial, seu carisma. Depois a vi totalmente diferente, sexy e divertida fazendo um belo ping-pong com o Andy Samberg em Palm Springs. E ainda teve tempo de brilhar na, infelizmente, cancelada Made for Love, onde confirmou toda sua versatilidade e talento. Mas aqui, em Pinguim, ela cativou seu lugar entre os grandes. Brilhou muito e, sinceramente, merece ainda mais reconhecimento do que Collin, pois entregou uma atuação ainda mais poderosa e crua, cheia de nuances. Quero e preciso ver cada vez mais dela. E que venham os prêmios!

Voltando ao plot da série, uma coisa me chamou atenção e pode incomodar aos fãs do Batman (um dos fandoms mais chatos de todo mundo nerd): a ausência do homem-morcego na série. Como pode toda essa guerra entre gangues e ascenção e queda de chefões do crime estar acontecendo em Gotham, em um momento onde o Batman começou a fazer seu nome, e ele sequer aparece pra botar um medinho na galera?

Pois há razões para isso que se encaixam muito bem na história ali contada. Bruce Wayne está fora de combate, o que condiz que o lore do personagem que se afasta para se preparar melhor para o que tem em mente a respeito de Gotham. Isso deixou a cidade à mercê do caos.

A história dá aquele zoom sem filtro na Gotham esquecida, focando em áreas como Crown Point, onde o abandono do governo e da polícia deixa tudo entregue ao caos. Por lá, gente como Victor precisa sujar as mãos pra sobreviver, enquanto os figurões, tipo Oz e Sofia, não piscam antes de puxar o gatilho. A ideia é clara: o morcego não dá conta de tudo, e tem cantos da cidade onde ele simplesmente não chega.

Durante a temporada, mesmo quando a treta entre Oz e Sofia explode (literalmente), Batman continua ausente. Parece que os crimes do submundo, rolando na surdina, não chamam tanto a atenção dele. A ascensão do Pinguim e a droga Bliss ficam meio que fora do radar do herói, que parece estar mais preocupado com bandidos lunáticos e/ou que fazem estrago em praça pública. E assim como na vida real, quem paga pela negligência de quem tem poder pra fazer algo é o povo, sofrendo com o aumento da violência e a falta de esperança.

Pinguim não é só mais uma série sobre um vilão de Gotham; é um espelho distorcido, refletindo até que ponto uma pessoa pode ir para alcançar poder e sobre como os ricos e poderosos, inclusive super-heróis, se importam pouco ou nada com os mais necessitados. Ela explora como indivíduos moralmente falidos, como Oz, são capazes de ultrapassar limites éticos, abusando de quem estiver no caminho.

Farrell traz essa dualidade com força total, destacando o comentário ácido de seu personagem: “A América é uma bagunça”. É sobre como um anti-herói consegue manipular o sistema para se posicionar como protetor do “homem comum”, ao mesmo tempo que sobe os degraus da política suja de Gotham, culminando em um possível cenário eleitoral que evoca Batman Returns.

O que torna a série ainda mais intrigante é a maneira como ela mistura elementos de super-heróis com críticas sociais afiadas. O subtexto é claro: em um mundo onde figuras públicas com traços narcisistas e sociopáticos dominam o cenário, a série reflete nosso próprio tempo. O arco de Oz, de mafioso a aspirante a político, se desenrola com uma intensidade sombria, mantendo o público vidrado e deixando no ar a iminente chegada de Batman, com promessas de justiça implacável no próximo filme.

Com atuações de primeira, um roteiro envolvente e produção impecável, Pinguim é um banquete visual e narrativo que se destaca no gênero. A série capta a essência dos conflitos internos de Gotham e o peso de suas escolhas, lembrando que, no fim, até os supervilões podem ser assustadoramente humanos. Com a combinação certa de ação, intriga e coração, Pinguim promete conquistar tanto os fãs veteranos quanto os recém-chegados ao universo de Gotham.

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