Já falei mais de uma vez aqui no blog sobre ser surpreendido positivamente por algo que comecei a assistir despretensiosamente. Little Fires Everywhere é a mais nova produção a entrar nesse grupo.
Essa é uma série (na verdade, acho que por definição é uma minissérie) produzida pelo serviço de streaming Hulu e que no Brasil é transmitido pela (Amazon) Prime Video. O que me interessou, a princípio, foi o elenco: Reese Witherspoon e Kerry Washignton.
Confesso que não conhecia o trabalho da Kerry, mas ao ver o trailer me pareceu que ela estava muito bem ao lado da Reese e que a história ajudava a mostrar seu talento. De fato, ela está muito bem. Só que Reese parece num nível ainda acima de interpretação.

A história é complexa, com diversas subtramas, mas a principal, é a seguinte: Mia Warren (Kerry) é negra, mãe solteira e artista. Vive se mudando com sua filha Pearl (Lexi Underwood). Ao chegar à cidade de Shaker Heights, elas acabam se estabelecendo por mais tempo, graças a ajuda de Elena Richardson (Reese), que acaba achando que a menina precisa de um lar melhor e oferece o apartamento que ela loca para as novas moradoras por um valor mais em conta e com um contrato mês a mês.
Já nos primeiros momentos em cena e nessa atitude de acreditar que está ajudando quase que através de caridade, Elena mostra suas principais características. Ela é uma mulher de classe média alta com 4 filhos adolescentes e um marido que é advogado, morando numa casa grande e sendo uma das principais influências na comunidade. Ela trabalha como jornalista em meio período no jornal local.
Elena é uma mulher controladora e com alguns TOCs, como organização, e até dias marcados para transar, por exemplo. Seus quatro filhos são, no mínimo, problemáticos. O mais velho, Trip (Jordan Elsass) é popular e ‘pegador’; a menina mais velha é Lexie (Jade Pettyjohn) também é popular e praticamente uma cópia mais nova da mãe, tida como a filha perfeita; Moody (Gavin Lewis) é mais introvertido, sensível e questionador; a mais nova é Izzy (Megan Slott) uma aspirante a artista, um tanto rebelde e que vive em pé de guerra com a mãe que quer que ela seja algo (ou alguém) que não é, no caso, uma ‘mini-Elena’, como sua irmã.

A relação entre essas duas famílias vai se estreitando e entrelaçando conforme Elena acredita estar ajudando Mia, que por sua vez, não acha que precisa de ajuda e está muito bem com a vida que leva. Ela é um espírito livre, e Elena é uma controladora, seguidora de regras e padrões, além de viver em uma sociedade que lida bem com (ou aceita) o estilo de vida de Mia e Pearl.

Essa relação das mulheres é bem complicada e parece estar sempre prestes a uma explosão. Ao passo que os filhos começam a se relacionar, ficar amigos, as coisas vão ficando ainda mais intensas. Izzy e Mia acabam se aproximando pelos interesses em comum, da mesma forma que Pearl e Elena também se dão bem, ao passo que a menina fica um tanto maravilhada com a vida confortável da família, além de uma visão um tanto distorcida que tem de Elena.
É difícil dar mais detalhes da trama sem dar spoilers, uma vez que ir descobrindo elementos da história conforme ela é contada, é uma das melhores coisas da série. O que dá pra dizer, é que ela é tem um tom que parece um suspense com aquelas tramas envolventes que nos faz ficar tensos, roendo as unhas e de olhos bem abertos. Adicione toques de novelão mexicano, ou um pouco de Avenida Brasil talvez.
E quando eu digo novelão, pode ser um dramalhão noventista também, afinal, a história se passa nos anos 90 (há vários flashbacks para contar a história de Mia e Elena no passado). Tem aborto, barriga de aluguel, abandono de filhos, julgamento, drogas, AIDS, homo/bi sexualidade, mentiras, traição, segredos, tragédia, racismo, crítica social, e muito, mas muito mesmo, conflito familiar.

No fim das contas, eu diria que a série é muito mais sobre maternidade e seus dilemas, dificuldades, desafios. Além das duas mães já citadas, outras duas trazem muita luz para esse assunto de forma como nunca vi em séries. Essas mães nos fazem questionar o tempo todo se o que elas estão fazendo é o melhor pra elas ou para os filhos, se elas estão sendo mesmo boas mães, o que é ser uma boa mãe e se isso sequer existe.
Não só as mães, mas todos personagens nos despertam todo tipo de sentimento. Alguns deles nos fazem sentir raiva na maior parte do tempo, mas em algum momento, nós fazer ter empatia por eles e até entender porque são como são. Outros, o contrário: ficamos mais tempo do seu lado, mas em algumas situações não dá pra defender ou pelo menos nós faz questionar o que é certo e errado e se só existem essas duas opções.
O episódio final é de tirar o fôlego, repleto de emoção, quando todos barris de pólvora finalmente explodem e todas as verdades vem à tona, todos os personagens se revelam, se revoltam e colocam pra fora tudo que sentem e precisam dizer ou fazer. É a verdadeira definição de cataclismo.
Tudo isso regado por atuações impecáveis. Reese Witherspoon já estava fazendo por onde concorrer a premiações ao longo da série, mas nesse episódio final, não apenas ela mas todos os atores se mostram absurdamente talentosos, inclusive/principalmente os adolescentes.
Até mesmo Joshua Jackson que interpreta Bill, o marido de Elena, e fica um tanto apagado na maior parte da série, brilha no final e mostra que seu personagem estava na verdade sendo muito bem construído e sua atuação estava de acordo com isso.
O mistério que o título da série sugere e que aparece no primeiro episódio (pequenos incêndios por toda parte) é revelado e um tanto surpreendente. Na verdade, esse título pode ser interpretado de forma literal, ou como metáfora, para todos os ‘pequenos incêndios’ que começam a surgir por toda a parte nas vidas desses personagens.
E esse mistério, na verdade, nem importa tanto. Lá pelo terceiro episódio nem lembramos mais do tal incêndio. Até porque a história é tão envolvente e tem tantas camadas, que isso é o menos importante. É a aquela coisa de o fato em si não importa tanto, e sim o que levou a ele.
Assim sendo, Little Fires Everywhere é uma série que te cativa e faz você querer saber o que vai acontecer em seguida, como aqueles nós vão se desatar e quando finalmente tudo irá pelos ares. E tudo bem amarrado, sem pontas soltas. E ainda pode ensinar bastante sobre diversos valores e fazer refletir sobre nós mesmos e muitas outras coisas. Exatamente como uma boa novela precisa ser.