Resenha | Parks and Recreation

Já falei aqui que quando terminei The Office fiquei meio que órfão de séries desse estilo. Logo fui pesquisar outras séries minimamente parecidas com ela. Devorei Community, quena verdade não é assim muito parecida, mas super valeu a pena. Depois me apaixonei por Schitt’s Creek, que definitivamente não tem nada a ver. Logo vieram Parks and Recreation e Modern Family, juntas. Ambas mockumentaries, claramente no mesmo ‘gênero’ de The Office, por assim dizer. A segunda, tem 10 temporadas, então ainda estou no meio do caminho. A primeira, acabei de concluir. E essa, sim, é definitivamente um spin-off espiritual (de certa forma) da sua irmã mais velha de Scranton.

E quando digo isso, não é só modo de dizer. Consta que inicialmente a série foi mesmo pensada como um spin-off de The Office. Porém, acabaram decidindo por contar uma história totalmente nova e independente. Ótima escolha. Além do mais, o roteirista Greg Daniels e o produto Michael Schur, que foram grandes responsáveis pelo sucesso de Michael Scott e sua turma na Dunder Mifflin, também estão por trás de Parks & Rec.

Logo na primeira temporada, vemos claramente as semelhanças no timing de piadas e, especialmente, no tipo de humor. O humor cringe, aquele te faz sentir vergonha alheia. O formato é claramente o mesmo e até conseguimos ver certas semelhanças em alguns personagens. O número de episódios da primeira temporada? Exatamente o mesmo, apenas 6. Por essas e outras, a crítica pegou pesado na época dizendo que era uma clara tentativa (falha) de imitação e surfar na onda.

E a minha experiência pessoal com essa primeira temporada foi ligeiramente diferente da que tive com The Office. Se com Michael Scott eu penei pra conseguir passar pra segunda porque quase não ri e senti muita vergonha com piadas que não cabem mais nos dias atuais, mesmo claramente sendo sátira e crítica, com Leslie Knope eu também ri pouco, mas porque achei morna mesmo. Pelo menos tive o mínimo de interesse necessário para que continuasse assistindo, e não foi na força do ódio como a outra.

E de fato, a série começa bem morna mesmo. Mas vai esquentando à medida que nos apegamos aos personagens. Até aqueles que parecem mais intragáveis. E aqui, não existe apenas um Dwight, que já de cara é irritante, antagonista e você acaba odiando ou amando. Todos, literalmente todos, tem lados bons e ruins bem óbvios e definidos. Sempre há pelo menos algo da personalidade de cada um que você tolere o suficiente para rir, mas ao mesmo tempo revira os olhos de raiva ou vergonha vez ou outra.

Eu diria que a mais balanceada é Ann Perkins (Rashida Jones), que curiosamente participou de The Office como Karen, a namorada de Jim na segunda/terceira temporada. Mas o fato de ser ‘balanceada’ não é exatamente muito bom, ela pode passar como ‘sem sal’ para muitos, assim como Pam parecia ser (e era, a princípio). Ann me pareceu mais interessante do que Pam no geral, e cresce bastante. Ela é praticamente a protagonista desde o início ao lado de Leslie (Amy Poehler). E não se engane: ela vai te conquistar como conquistou a todos na série.

Leslie é uma personagem intensa. Essa é a palavra que a melhor descreve. Ela começa como a chefe de um departamento público de terceiro escalão (e olhe lá!) e uma pequena (e estranha) cidade, chamada Pawnee, em Indiana. Mas ela tem ambições e sonhos grandes, ao mesmo tempo em que faz por onde para conquistar seu sonho, se dedica e gosta do que faz. Além de amar a cidade e ser um tanto metódica, beirando à obsessiva.

Na maior parte do tempo, a série gira em torno dela, que sonha em um dia se tornar a primeira presidente eleita dos Estados Unidos, e se fosse, não seria nada exagerado. Até mesmo por isso a série mostra de forma bem acentuada questões políticas e sociais. Além disso, conta com participações especiais de várias figuras proeminentes da política estadunidense, entre elas Michelle Obama e Joe Biden, grande crush de Leslie e que, mal sabiam os roteiristas, viria a se tornar presidente dos EUA 5 anos após o fim da série.

Apenas para concluir essa questão política da série, isso deixa muito clara a principal diferença entre ela e sua irmã espiritual e antecessora: o humor é mais sofisticado e inteligente. Dá pra aprender muito sobre muita coisa. De feminismo à políticas públicas. Um ponto que eu acho até útil para quem entende pouco de política, é aprender que dá pra ser progressista, acreditar em causas sociais e governar para o povo e ainda assim, ser capitalista. Fica bem óbvia a diferença ideológica entre Leslie e seu grande amigo Ron Swanson (Nick Offerman), mostrando que ela é muito mais sensata que ele, mesmo sendo ferrenha defensora do modo de vida estadunidense e tudo o que o capitalismo tem a oferecer, porém, acreditando nas instituições públicas (diferente de Ron que tem essa ideia de estado mínimo). E mesmo assim, ambos convivem muito bem e se respeitam, como deveria ser na vida real.

Ao longo da série vários momentos dos dois juntos proporcionam ao espectador os mais diversos sentimentos, e em mim, foi um diálogo deles que me tocou profundamente em um momento bem específico e duro da minha vida. Na época, postei lá no Instagram uma fala que foi muito importante pra mim (aliás, se você ainda não segue nosso perfil, aproveita e passa a seguir agora!)

P&R tem uma curva de crescimento um pouco mais lenta, mas muito mais estável que de outras séries. Ela vai engrenando aos poucos, mas nunca perde muito o ritmo, e dá pra ver claramente que ela está construindo os personagens. É nítido que cada um deles (e todos eles) estão em constante desenvolvimento e vão recebendo a atenção devida. Apenas como comparação, em The Office, alguns personagens como Stanley, Meredith ou Creed, tem pouco ou nenhum desenvolvimento nem plots próprios. Aqui, todos personagens têm, mesmo os que parecem meros alívios cômicos.

No final da segunda temporada, dois personagens são introduzidos e parecem que serão apenas participações. Porém, como são muito interessantes e interpretados por atores carismáticos e talentosos, acabam ficando e sendo fundamentais na trama.

Também diferente de outras séries que têm saídas atores do elenco principal e perdem muito na qualidade da série, como o próprio The Office, mas especialmente Community, aqui, mesmo com a saída de dois personagens importantes na sexta temporada, fica a impressão de que cairá a qualidade. Porém, os roteiristas conseguiram costurar tudo muito bem e trouxeram novos elementos que acabaram enriquecendo o plot principal.

Muito por conta dos grandes talentos que a série tem em seu elenco, todos os personagens acabam se tornando interessantes e, aquela complexidade citada no início, onde todos tem lados ruins e bons, faz com que seja muito difícil escolher um favorito ou até mesmo dizer quem cresceu mais ao longo dos anos. Um exemplo bem claro é Andy (Chris Pratt). Se na primeira temporada e início da segunda ele causava muito mais raiva e vergonha, no fim, continuamos rindo de suas idiotices, mas está muito claro que é uma pessoa de bom coração e humana. Tanto que tem um episódio todo dedicado a ele, tipo um ‘Arquivo Confidencial’. Aliás, um dos episódios mais doidos da série, mas muito engraçado também.

E muito dessa evolução se deve ao crescimento profissional de seu intérprete (que passou a ser o Star Lord na Marvel no meio da série e até some por um tempo durante as gravações dos filmes, chegando a emagrecer absurdamente para isso), mas também por sua parceira de cena, April (Aubrey Plaza). Ela também começa beirando ao insuportável, mesmo provocando um humor mais ‘sombrio’, e termina lá no alto, com uma das mais gritantes jornadas na série. É uma excelente atriz que vou passar a acompanhar mais de perto.

Outra personagem que tem participação recorrente na série e que merece destaque, especialmente porque voltaríamos a ver sua intérprete em outras obras, é Jennifer (Kathryn Hahn). Ela é um ser humano odioso, mas extremamente competente e honesta, no sentido de que é o que é e não tenta fingir não ser, nem esconde isso. Pra quem não ligou o nome à pessoa, ela viria a ser a Ágatha em WandaVision anos depois e provar que tinha mesmo muito talento, que já dá pra ver aqui.

Em sua última temporada, P&R termina exatamente como foi o tempo todo: começando morna, com um plot que parece chato e sem sentido, mas que, dessa vez, de repente cresce e acaba tendo episódios memoráveis, provavelmente fazendo dessa a melhor temporada de todas. E mais: ela termina muito melhor que muitas outras séries, sejam de drama ou mesmo sitcoms. Ela tem um final muito coeso e emocionante, com uma dinâmica muito legal e até surpreendente.

Parks and Recreation é uma série muito gostosa de assistir e muito importante, por tudo que ela trata ao longo das temporadas, com questões políticas e sociais sérias e relevantes, sempre de forma muito progressista e com muita leveza. Recomendo a todos, gostem do gênero ou não. Vale a pena insistir, caso você não seja fisgado logo de cara.

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